quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Caminho para Machu Picchu



Como prometido está postado as fotos que levam a Machu Picchu. Um caminhada árdua no qual o povo Inca estava adaptado, diferente dos então auto-considerados "civilizados" europeus.

A cultura possibilita a adaptação ao ambiente. A Lhama, por outro lado, mostrada na primeira foto, é um animal preparado aquele meio, não possuindo cultura.




























Matéria - Cultura


-->
Você tem cultura? Roberto Da Matta

O senso comum utiliza cultura como forma de sofisticação ao dizer que Maria não tem cultura, ou que João é culto. Cultura aqui é a quantidade de informação que essas pessoas têm, chegando a ser confundido com inteligência.

Pode ser usado também no senso comum como descriminação a grupos e sociedades, como sexo, idade, etnias, rural e urbano, branco e índio.

Cultura na verdade é a maneira de viver de um país, grupo, sociedade e pessoa. Cultura é um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam , estudam e modificam o mundo e a si mesmas.

Cultura é uma categoria que ajuda a compreender o que acontece no mundo a nossa volta.
Cultura não se escolhe, está dentro de cada um de nós, como as regras de um jogo. Quando nos aproximamos do diferente, tendemos a classificá-los hierarquicamente, logo excluí-lo, valorizando nossos valores como superiores.
A cultura está estabelecida no Carnaval tanto quanto nas procissões religiosas. Ela está em tudo que fazemos.
A cultura é um bom instrumento para nos ajudar a compreender as diferenças entre os homens e a sociedade.
Culturas “atrasadas” (como se pensam popularmente em relação às tribos indígenas) podem nos dar um bom exemplo da relação devida entre homens e natureza.
“Realmente, pela escala destas sociedades tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender o significado profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar...”
· Devemos procurar o exótico no familiar e o familiar no exótico.
· Manter uma distancia saudável de observação.
Cultura: Um conceito antropológico

 Definições

·  A cultura é transmitida por herança social, através da socialização, interação.
·  Compreende a totalidade das criações humanas
·  É característica exclusiva das sociedades humanas.
·  Satisfaz toda e qualquer necessidade humana
·  Estabelece limites a ação social
·  Age através de vários sistemas influenciando na personalidade do individuo.
·  Língua como representação máxima de uma cultura com seus signos e significados. As gírias seria um exemplo das subculturas.
·  Vida material (tudo que produz para sobreviver), Estética, A religião, os hábitos alimentares... tudo define o modo de preparo, a divisão do trabalho, o modo de consumo.
A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações. Dominou toda a natureza. Não possui assas mas dominou o Céu, na é veloz mas dominou a terra e não possui guelras mas dominou os oceanos.
Cultura passou a revestir o biológico.


Cultura x Natureza. Cultura vem equipar o biológico

Superorgânica (Kroeber):
Biológico à(necessita fazer suas funções vitais, alimentar, excremento, sexo, etc.)
Cultural à Fará essas necessidades biológicas de diferentes maneiras.
O homem passou a ser considerado um ser acima de suas limitações orgânicas. A espécie humana sobreviveu com um equipamento físico muito pobre (Exemplo: Machu Pichu, Polo Norte...)
Todos os seus atos dependendo dos processos de aprendizado.
O processo de “civilização” é claramente acumulativo, conserva-se o antigo a pesar da aquisição do novo. Na evolução orgânica se perde algo para se ter o novo (exemplo baleia).
O homem libertou-se da natureza e ocupou os 4 cantos da terra. (esquimó diferente do urso polar).
Instintos

Cachorro criado com gatos, mesmo com os estímulos da mãe gata ele:
-Não miará
-Não se reproduzirá com as gatas.
-Não arranhará
Mas quando ouviu um latido longe ficará eufórico, e quando na presença de uma cachorra procurará reproduzir-se.
Instinto (Aurélio)
1.Fator inato do comportamento dos animais, variável segundo a espécie, e que se caracteriza, em determinadas condições, por atividades elementares e automáticas:

2.Forças de origem biológica inerentes ao homem e aos animais superiores, e que atuam, em geral, de modo inconsciente, mas com finalidade precisa, e independentemente de qualquer aprendizado:

3.Tendência natural; aptidão inata.
Nós humanos, apresentamos instintos em alguns momentos de nossas vidas. Ao nascer procuramos o leite de nossa mãe sem que ninguém nos ensine ou demonstre como fazê-lo.
Mas existem alguns “erros”:
  • Instinto de conservação? quando lembramos dos camicases japoneses.
  • Instinto maternos? quando é comum infanticídio em muitos grupos humanos.
  • Instinto filial? quando esquimós levam seus pais a serem comidos por ursos.
  • Instinto sexual? quando falamos de jovens que tiveram uma educação puritana não sabiam o que fazer na hora H.
Na verdade, tudo é adquirido através da cultura e do aprendizado.
-Criança francesa criada na China.
-Qualidades herdadas (talento) de família ?(biológico).
TUDO O QUE O HOMEM FAZ APRENDEU COM OS SEUS SEMELHANTES
Cuidado para não cair em um racismo (devido a biologia), no sentido, por exemplo, de fazer como a ciência que buscou (e recentemente busca) descobrir que características biológicas irá fazer com que o sujeito tenha mais tendência ou não para o crime.
-Tendências homossexuais no DNA?
-Mulheres são inferiores por serem mais frágeis ou com cérebro mais leve?
-Os nazistas diziam que eram superiores as outras raças, por questões biológicas.
O HOMEM É RESULTADO DO MEIO CULTURAL EM QUE FOI SOCIALIZADO.
O desenvolvimento
Não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com freqüência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionaria.
  • Santos Dumont e os irmãos americanos.
  • Albert Einstein.
  • Matemáticos que chegaram a mesma teoria.
Criança e o chimpanzé
Até 1 ano são “iguais”
Posteriormente faltará algo que fará que o chimpanzé não “avance”. Neste caso a cultura e principalmente a linguagem integrada na mesma, fazendo com que o humano passe aos seus descendentes todos seus aprendizados.
A idéia sobre a origem da cultura

Iniciando com a utilização das mãos, possibilitando ter um mundo tridimensional.
Bipedismo, mãos livres para carregar armas, transportar objetos, aumentar a visibilidade...
Possibilitando desta forma um cérebro mais volumoso e complexo a cultura inicia-se, mas principalmente com a possibilidade de formular símbolos.
Teorias modernas sobre a cultura

Cultura como um fator indispensável ao homem, uma adaptação do ser biológico a natureza, na finalidade de se organizar em sociedade através dos sistemas simbólicos (linguagem, valores, códigos entre outros estabelecidos por uma cultura).
Conjunto de mecanismos (controles, planos receitas, instruções) que poderia ser comparado a um programa de computador. Todos nós estaríamos preparados para receber este programa que é chamado de cultura.
Todos nós nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só.
Estudar cultura é portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros desta cultura (etnografia).
Etnocentrismo
É um conceito segundo o qual a visão ou avaliação que um indivíduo ou grupo de indivíduos faz de um grupo social diferente do seu é apenas baseada nos valores, referências e padrões adotados pelo grupo social ao qual o próprio indivíduo ou grupo fazem parte.

Essa avaliação é, por definição, preconceituosa, feita a partir de um ponto de vista específico. Basicamente, encontramos em tal posicionamento um grupo étnico considerar-se como superior a outro. Do ponto de vista intelectual, etnocentrismo é a dificuldade de pensar a diferença, de ver o mundo com os olhos dos outros.
Na civilização grega, o bárbaro, era o que "transgredia" toda a lei e costumes da época; este termo é, portanto, etimologicamente semelhante ao selvagem na sociedade ocidental.

Todas as culturas apresentam tendências de considerar seus hábitos, costumes e valores como sendo superiores ou melhores que os dos demais grupos sociais. O que os outros fazem tende a ser visto como incorreto, não civilizado, atrasado, repugnante, ignorância entre outras afirmações que caracterizam um preconceito. Essa tendência de colocar a sua cultura como superior é chamada de etnocentrismo.
Seus extremos podem ser entendido como Nazismo.

O etnocentrismo não apenas é uma coisa ruim em si, como é até uma coisa boa, pelo menos desde que não fuja ao controle. A fidelidade a um certo conjunto de valores faz com que, inevitavelmente, as pessoas fiquem “parcial ou totalmente insensíveis a outros valores.”

Uma vez livradas do etnocentrismo, as culturas poderiam perder sua própria razão de ser.
O problema do etnocentrismo não está em ele nos comprometer com nossos compromissos. Temos, por definição, esse compromissos, assim como estamos comprometidos com nossas dores de cabeça. O problema do etnocentrismo é que ele nos impede de descobrir em que ângulo nos situamos em relação ao mundo. – devido a própria diversidade, “confusão” de valores.

A relatividade cultural seria o contrario do etnocentrismo. No qual qualquer cultura deve ser compreendida e analisada utilizando seus próprios valores e costumes para julgá-la.
-Exemplo do pai que casou a filha com um cachorro na índia.

SE QUISERMOS SER CAPAZES DE JULGAR COM LARGUESA, PRECISAMOS TORNAR-NOS CAPAZ DE ENXERGAR COM LARGUESA.

“O medo do desconhecido é o medo de novas ideias, são cheios de preconceitos baseados em nada realmente, mas com base em que, se algo é novo, eu rejeito imediatamente, porque acho que é assustador. O que eles fazem é ficar apenas com o conhecido. Você sabe que, para mim, as coisas mais belas do universo são as mais misteriosas”. (dia&noite – pixar)

Ex: Vagões de trens que andam paralelos e os vagões de trens que se cruzam (atrapalhando a vista).
Culturas e conceitos se misturando constantemente, sem percebê-las e compreende-las no seu cotidiano (grandes metrópoles).

O caso do índio bêbado e da maquina de Hemodiálise.
-O índio se recusou a seguir a dieta recomendada.
-Valores éticos dos médicos e incompreensão dos mesmos (aborrecidos).
Conflitos e valores presentes no nosso cotidiano. (varias tribos urbanas)
Ambos não aprenderam os significados, uns com os outros.
Uma certa surdez ao apelo de outros valores.
SE QUISERMOS SER CAPAZES DE JULGAR COM LARGUESA, PRECISAMOS TORNAR-NOS CAPAZ DE ENXERGAR COM LARGUESA.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Você tem Cultura?

Você tem cultura?

Roberto Da Matta


Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha cultura”, era “ignorante dos fatos básicos da política, economia e literatura”. Uma semana depois, no Museu onde trabalho, conversava com alunos sobre “a cultura dos índios Apinayé de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que esta seria a melhor forma de discutir a idéia ou o conceito de cultura tal como nós, estudantes da sociedade a concebemos. Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como uma categoria intelectual um conceito que pode nos ajudar a compreender melhor o que acontece no mundo em nossa volta.

Retomemos os exemplos mencionados porque eles encerram os dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Quer dizer, quando falamos que “Maria não tem cultura”, e que “João é culto”, estamos nos referindo a um certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é equivalente a volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser confundido com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de fato a inteligência), fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou ao quadros e pintores que pode, de memória, enumerar. Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho ditado informando que “cultura não traz discernimento”... ou inteligência, como estou discutindo aqui. Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“os pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em oposição aos americanos que são “ignorantes e grosseiros”. Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado”. A palavra cultura, enquanto categoria do senso comum ocupa como vemos um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado-a-lado de outras, cujo uso na vida cotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra “cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados. No campo da Psicologia, personalidade define o conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos. É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um marco para algo desejável e invejável de uma pessoa.

Assim, certas pessoas teriam “personalidade" outras não! É comum se dizer que "João tem personalidade” quando de fato se quer indicar que "João tem magnetismo", sendo uma pessoa "com presença". Do mesmo modo, dizer que "João não tem personalidade", quer apenas dizer que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente.

Mas no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista da Novela das Oito. Mesmo urna pessoa "sem personalidade" tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente o traço marcante de sua personalidade.

No caso do conceito de cultura ocorre o mesmo, embora nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas.

É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de certas situações. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e torcida.

Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem. Em geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto que Sicrano e distinguirmos formas de "cultura" supostamente mais avançadas ou preferidas que outras. Falamos então em "alta cultura'' e "baixa cultura" ou “cultura popular", preferindo naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria idéia de cultura. Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas.(popular, indígena, nordestina, de classe baixa, etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida social.

Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as "sub-culturas” de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por uma outra "sub-cultura". Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. 0 problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma: forma de excluí-la. Um outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade.

Desta forma, podemos ver o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda relação de complementaridade. Realmente, se no terreno da festa religiosa somos marcados pelo mais profundo comedimento e respeito pelo foco no "outro mundo” é porque no carnaval podemos nos apresentar realizando o justo oposto.

Assim, o carnavalesco e o religioso não podem ser classificados em termos de superior ou inferior ou como articulados a uma. "cultura autêntica" e superior, mas devem ser vistos nas suas relações que são complementares. O que significa dizer que tanto há cultura no carnaval quanto na procissão e nas festas cívicas, pois que cada uma delas é um código capaz de permitir um julgamento e uma atuação sobre o mundo social no Brasil. Como disse uma vez, essas festas nos revelam leituras da sociedade brasileira por nós mesmos e é nesta direção que devemos discutir o conteúdo e a. forma de cada cultura ou sub-cultura em uma sociedade (veja-se o meu livro, Carnavais; Malandros e Heróis).

No sentido antropológico, portanto, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam. Mas isso não impede, conforme sabemos, emoções. Do mesmo modo que um jogo de futebol com suas regras fixas não impede renovadas emoções em cada jogo.

É que as regras apenas indicam os limites e apontam os elementos e suas combinações explícitas. O seu funcionamento e, sobretudo, o modo pelo qual elas engendram novas combinações em situações concretas é algo que só a realidade pode dizer. Porque embora cada cultura contenha um conjunto finito de regras, suas possibilidades de atualização, expressão e reação em situações concretas, são infinitas.

Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por todas, por meio de um meio geográfico ou de uma raça, como diziam os estudiosos do passado, mas em diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece no decorrer de sua história. Mas é importante acentuar que a base destas configurações, é sempre um repertório comum de potencialidades. Algumas sociedades desenvolveram algumas dessas potencialidades mais e melhor do que outras, mas isso não significa que elas sejam mais pervertidas ou mais adiantadas. O que isso parece indicar é, antes de mais nada, o enorme potencial que cada cultura encerra, como elemento plástico, capaz de receber as variações e motivações dos seus membros, bem como os desafios externos. Nosso sistema caminhou na direção de um poderoso controle sobre a natureza, mas isso é apenas um traço entre muitos outros. Há sociedades na Amazônia onde o controle da natureza é muito pobre, mas onde existe urna enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os homens e os grupos cujos interesses são divergentes. O respeito pela vida que todas as sociedades indígenas nos apresentam, de modo tão vivo, pois que os animais são seres incluídos na formação e discussão de sua moralidade e sistema político, parece se constituir não em exemplo de ignorância e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir toda a vida e não apenas a vida humana. Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração desenfreada do mundo natural sem a necessária moralidade que nos liga inevitavelmente às plantas, aos animais, aos rios e aos mares.

Realmente, pela escala destas sociedades tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender o significado profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar...

O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda que seja para evitá-las, como fazemos com o crime - é uma tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num universo marcado e demarcado pela cultura. Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as formas e configurações sociais que, como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós.

Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício antropológico de descobrir que a fórmula negativa - esse dizer que não temos cultura é, paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.