terça-feira, 21 de setembro de 2010

A flexibilização das horas de trabalho

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo

Departamento de Administração

MBA em Logística Empresarial, Gestão da Cadeia de Suprimentos

Disciplina: Recursos Humanos

Professora: Mirian Garcia Nogueira.

Autor: Eustáquio de Carvalho Sant´Ana. Data:12/06/2010

A flexibilização das horas de trabalho

O presente trabalho procura analisar a flexibilização das horas de trabalho na sociedade atual, este sendo como propôs a escritora Judith Mair um dos novos meios de exploração. Para tanto iniciarei contextualizando rapidamente as relações de trabalho e o próprio trabalho ao longo dos séculos expondo alguns conceitos chaves sobre o tema. Em seguida chegarei ao objetivo primeiro que é analisar uma situação vivida no ambiente de trabalho utilizando dos argumentos teóricos. Optei por utilizar de uma entrevista, que segue transcrita em anexo, pelo o fato da entrevistada vivenciar plenamente em seu trabalho a questão da flexibilização das horas. Observaremos, portanto, os pontos positivos e negativos desta flexibilização para a vida dos trabalhadores e a importância dos Recursos Humanos neste contexto.

A palavra trabalho deriva do latim tripallium que significa instrumento de tortura, algo penoso, massificante. Isto porque trabalho sempre esteve atrelado a uma atividade corporal pesada, enquanto que a atividade voltada para o intelecto era privilégio ou de filósofos, de um clero ou uma nobreza, de um senhor feudal ou por fim de um capitalista. Desde tempos antigos até o feudalismo as pessoas se submetiam a trabalhos braçais e não obtinha recompensas significativas por ele, quando a recompensa não existia temos ai o trabalho escravo, muito comum em variadas sociedades ao longo da história.

Já nas sociedades tribais, todos fazem quase tudo, eles dedicam cerca de 4 à 5h de trabalho diário (TOMAZI, p.37). Estes trabalhos geralmente estão associados a rituais e costumes de sua cultura, trabalham basicamente apenas o necessário para o seu sustento e quem dita o ritmo de trabalho é a própria natureza.

É importante fazer uma observação interessante aqui, enquanto na sociedade capitalista o trabalhador dedica atualmente cerca de 8h de trabalhos diários, e no séc. XVIII cerca de 10 à 12h, as sociedades tribais (quando não há a interferência do homem, como degradações do ambiente e comercialização) vivem bem alimentadas e sadias, enquanto que na sociedade capitalista encontram-se trabalhadores miseráveis apesar de depositar tanto tempo ao trabalho. Resultado este da falta de uma consciência de classe que permitissem aos mesmos uma organização para buscar seus direitos, o que foi ocorrendo gradativamente na história.

Com o inicio do capitalismo começou a haver a necessidade de mudança do ponto de vista deste trabalho. Começou a ser necessário produzir cada vez mais produtos para vendê-los em regiões cada vez mais longes. Logo os artesões e pequenos produtores não agüentavam a concorrência das grandes manufaturas e das primeiras linhas de produção que estavam surgindo, se viram obrigados a trabalhar nestas manufaturas, para estes empresários. O trabalho por sua vez passou a ser visto não como algo penoso e torturante, mas como algo que glorificava o homem, que dava dignidade. Esta forma de pensar sobre o trabalho foi uma forma de incentivo para que os trabalhadores se sentissem honrados em se submeter aquele trabalho.

Para que houvesse essa mudança da ideologia, instituições como a Igreja, o Estado e grupos como os empresários contribuíram para isso, como dizia Karl Marx, “a ideologia de cada época, é a ideologia de sua classe dominante”. Aquele que não se entregasse as condições de trabalho era tido como herege, vagabundo ou um “inútil social”.

Na verdade o que ocorria é que o trabalho dignificante continuava sendo penoso, e o trabalhador, como denunciava Marx, recebia apenas o suficiente para sua sobrevivência. As dificuldades encontradas pelo trabalhador que acabava de vir do campo ainda eram grandes, como dito anteriormente, a natureza era quem ditava o ritmo de trabalho, agora passou a ser o patrão com sua manufatura.

Já no séc. XX, Henry Ford criou uma divisão de trabalho detalhada e encadeada, a tão conhecida linha de montagem, que possibilitava produzir muito mais em menos tempo, logo mais lucro para o empresário. Desta forma o trabalhador poderia ganhar um pouco mais, o suficiente para que pudesse comprar seu próprio carro, que também passou a ficar mais barato, uma vez que não consumia muito tempo na produção. Nasce desta forma uma era do consumismo, produção e consumo em larga escala. O trabalhador se esforça de maneira tal para que possa entrar nos padrões de consumo.

O taylorismo por sua vez apresentava as mesmas características do fordismo, acrescentando que havia, entre outros fatores, um sistema de recompensas e punições aos trabalhadores conforme o seu desempenho no interior das fábricas, estimulando-o desta forma a produzir mais. A divisão do trabalho era maior também, eles eram obrigados a fazer o que o gerente e administradores definiam, não mais atuando apenas em um ponto da produção.

O sistema de recompensas e punições, que podem estar caracterizados como incentivos salariais e prêmios por produtividade, representa indiretamente o novo modelo que passaria a enriquecer nos séculos seguintes. Uma nova relação entre patrões e empregados, e para não cair em uma tendência marxista, uma nova relação entre as organizações e os empregados, onde a busca dos interesses de cada um fará surgir novos acordos para as novas necessidades.

Autores como Halsey, Bedaux, Rowan, Emerson e Gantt na verdade só descreveram círculos em volta das convicções básicas de Taylor, na medida em que o sistema de cada um deles trata de determinar remuneração e incentivos usando alguns pressupostos básicos que têm seu vértice na segmentação e definição claras das funções do trabalhador. (SEMLER, p.210).

Desta forma, temos trabalhadores já na revolução industrial buscando se empenhar ao máximo em suas fábricas diante da ameaça de ser demitido a qualquer momento e ser substituído pela grande massa de reserva. Isto torna um “incentivo” para que produzam a todo o vapor para suas organizações. Hora, a mais valia absoluta, que se caracteriza pelo prolongamento das horas de trabalho, agora se torna relativa, ou seja, o trabalhador consegue produzir mais no mesmo espaço de tempo, e isso se deve não somente a pressão que se submetia, mas também devido às novas condições técnicas e sociais do processo de trabalho.

A exploração se torna mais intensificada. Ou seja, mais lucro vai para o capitalista, e o trabalhador que em plena revolução industrial tinha uma qualidade de vida ilusória, continua recebendo, como já dizia Marx, o suficiente para sua sobrevivência.

O crescimento urbano empurrou os pobres para as áreas de miséria em grandes concentrações. Bebida, infanticídio, prostituição, suicídio, demência entre outros eram as fugas encontradas pelos trabalhadores, com auto estima baixa. (HOBSBAWM, p.224).

Para entendermos melhor o que Judith Mair gostaria de dizer com “nova forma de exploração”, é interessante buscarmos então a definição de exploração. Para o sociólogo Charles Tilly exploração é:

Um mecanismo gerador de desigualdade, que podemos chamar de exploração, ocorre quando as pessoas que controlam um recurso (a) arregimentam o esforço de outras para produzir um valor por meio desse recurso, mas (b) excluem as outras do valor total acrescentado por seus esforços. (TILLY, p.51).

Hora, fazer com que o trabalhador esteja disponível até mesmo de madrugada, atendendo telefonemas da organização, e fazer com que ele se sinta honrado com esta obrigação remonta os pontos que estamos revendo até aqui. Talvez, mais que nunca as pessoas se dedicam cada vez mais ao trabalho. É claro que se têm as horas extras, seus benefícios, suas remunerações, e não pretendo me ater aos conceitos marxistas de exploração, o que eu busco é refletir até onde os trabalhadores se beneficiam na atualidade com a flexibilização das horas trabalhadas.

Seja por necessidade pessoal, medo de não ser valorizado, medo de perder o emprego ou por sentimento de pertencimento a organização, as pessoas se sacrificam cada vez mais por sua empresa, de modo a fazer com que a mais valia relativa se alongue ainda mais, até chegarmos ao ponto que para a pessoa não perder tempo no trânsito ela agora tem a possibilidade de trabalhar em casa. O que de inicio pode ser uma conquista, a flexibilização do trabalho pode representar a tênue separação entre a vida pessoal e a profissional, justamente como alerta a Judith Maier. Estamos desta forma cada vez mais distantes do conceito de qualidade de vida no que tange ao tempo livre, ao lazer, a valorização da vida pessoal e ao desligamento do trabalho nos dias de folga, como exposto por Sadi Dal Rosso:

O verdadeiro lazer precisa ser buscado a qualquer custo na paz de espírito, na reflexão. Sentar debaixo de uma árvore, sem qualquer preocupação com o mundo nem com o futuro, meditar e cultivar o espírito é o ideal de lazer, concebido como plena liberdade pessoal e realização interior. O problema é que a sociedade não oferecerá esta oportunidade a muitos. (DAL ROSSO, p.401)

No Brasil, as conquistas trabalhistas ocorreram muito mais tardiamente do que as conquistas na Europa. Enquanto as principais revoluções se iniciaram na Europa no séc. XVIII, no Brasil as grandes transformações no campo do trabalho por uma qualidade de vida satisfatória irão se iniciar com a revolução de trinta, e mais especificadamente com a CLT (Consolidação das leis trabalhistas) em 1943.

Posterior a isto temos a luta dos operários da ABC paulista reivindicando uma serie de benefícios, e

Muitos estudos já demonstraram, reiteradamente, o papel decisivo das jornadas heróicas de 1978-80, movidas basicamente por reivindicações salariais e pela melhoria das condições de trabalho, no alargamento dos direitos sociais e políticos na sociedade brasileira e na aglutinação das forças políticas contra o regime militar. (BLASS, p.3)

No que tange aos operários e as forças sindicais envolvidas com as empresas automobilísticas, a luta que antes abrangia variadas metas, passou a se focar na luta pela regulamentação da jornada de trabalho. A autora Leila Blass nos mostra que houve a greve da “Vaca Brava”, onde os trabalhadores formam uma conscientização relacionada a questões como, por exemplo, a necessidade de dispor de tempo livre, a vida fora da fábrica, e a construção dos laços afetivos com a família e os filhos. Para conseguir seus objetivos os trabalhadores realizam não uma greve geral, mas paradas estratégicas em determinadas fábricas. Um dia para na fornecedora de pneus, outro na de tintas, e assim por diante, até que por sua vez obriga a montadora a parar, e não por greve, mas por falta de peças.

Por fim, os trabalhadores das fábricas aos poucos vão conquistando seus objetivos, lutas que se estenderam até 1995, quando há a regulamentação de 42 horas semanais e não mais como antes quando havia 60 horas de trabalho, ou seja, às 48 horas legalmente definidas "mais 12 horas extras" (DAL ROSSO, p. 269).

Vemos desta forma que a conquista pelo tempo livre ao lazer e a dedicação a família precisou passar por longos processos onde fossem atendidos os objetivos organizacionais e os objetivos individuais. Hoje, a partir de um acordo entre o sindicato atuante destes trabalhadores, e as montadoras, foi criado um sistema de “banco de horas”, que tem por base a jornada média de 42 horas, podendo ele trabalhar até 44 horas se a produção exigir, ou 40 horas, se a empresa necessitar de redução na produção. Desta forma é acrescentado ou descontado do banco de horas extras de cada funcionário quando o ritmo da produção diminui. Logo temos, como foi dito, um acordo entre as partes.

Com a flexibilização da jornada de trabalho, as empresas podem usufruir da sazonalidade na produção de carro e compensar "os custos adicionais" decorrentes da redução da jornada de trabalho. (BLASS, p.6).

A empresa neste caso deve praticar um bom planejamento, divulgando com antecedência suas metas de produção para que os trabalhadores saibam quando iram dispor de mais trabalho.

Outros benefícios na qualidade de vida do trabalhador foi quanto aos dias de folgas estabelecidos, como o domingo, que antes era tido como um instrumento de controle. Quem faltava durante a semana era obrigado a trabalhar no Domingo, e segundo o relato de um trabalhador “Descontando o domingo e feriado, o cara ia lá até morrendo... Acabou essa desgraça.” (BLASS, p.8).

Este exemplo, em relação aos trabalhadores da indústria automobilística, e também em relação aos trabalhadores do ABC, vem a nos mostrar como é difícil muitas vezes as organizações conciliarem seus interesses com os interesses de seus funcionários. Seja devido à flexibilização dos direitos trabalhistas, seja pelas dificuldades culturais da organização (no caso de empresas de outras regiões ou países) a busca por uma solução que agrade ambos os lados só tendem fazer com que os mesmos cresçam. Uma organização por sua vez nunca deve deixar de lado o dialogo intenso com seus trabalhadores, buscando sempre escutá-los e negociar para que se chegue o quanto antes a um bem comum, caso contrário se a empresa não for flexível, ela pode como diz o autor Ricardo Semler, “começar com cara de Rambo e terminar com jeitinho de Clodovil” (SEMLER, p.226).

Vimos rapidamente até aqui, a luta dos trabalhadores ao longo dos séculos pela busca de seus direitos, de qualidade de vida e principalmente por respeito e dignidade. Estas lutas que podem estar se perdendo de forma sutil na atualidade. Principalmente, a meu ver, pelas conjunturas macroeconômicas, mas também por problemas estruturais das que tanto prejudicam a qualidade de vida nas grandes cidades, como a violência, o transito, a poluição, a solidão, entre outros.

Vistos estes pontos, referentes a ações que buscam um trabalho que apresente condições mais satisfatórias. Iniciarei meu foco nos argumentos de Judith Mair, em entrevista a revista Época, em 29 de maio de 2006, para então iniciar a minha análise de caso. Mair acredita que a organização deve buscar uma maior rigidez sobre o ambiente de trabalho, como por exemplo, a utilização de uniformes, os celulares desligados (usando somente em caso de grandes necessidades), sem longas conversas durante o expediente (que ultrapassem cinco minutos) e colegas sendo chamados pelo sobre nome, o que a meu ver simboliza a separação entre a vida privada e a particular, uma vez que a relação que terei com meu colega será apenas profissional, podendo levá-la para a vida pessoal se assim desejar.

A dedicação deve ser total e absoluta, e em contrapartida os trabalhos se restringem aos dias da semana, e não há flexibilidade nos horários, ele inicia-se às 9h, às 17h30min as atividades são encerradas e às 18h os funcionários deixam o local. É importante também mencionar que não se leva trabalho para casa, sendo ele restringido ao escritório. Para Mair o que ocorre hoje com o trabalho em grupo e a abolição da hierarquia são novas formas de exploração dos empregados, uma “ditadura do trabalho”. As normas, segundo ela, existem para proteger os funcionários das demandas excessivas, pois os funcionários não são pagos, segundo ela, para estar a disposição da empresa o tempo inteiro. As empresas, igualmente, devem ser honestas com seus funcionários, respeitando sua vida privada e o contrato de trabalho estabelecido.

As práticas estabelecidas por Mair muitas das vezes são tidas como conservadores ou totalitárias, causando repulsa. Mas é justamente o contrario que ela busca, dar ao trabalhador tempo para a vida privada (para o lazer, para ficar com família, para ter qualidade de vida) é o principal ponto debatido pela a autora em um mundo no qual as tecnologias como celulares, e-mails, computador portátil, entre outros mantém os funcionários atados as empresas 24h por dia.

Vistos os principais pontos colocados por Mair, decidi me colocar como observador, relatando um caso vivenciado cotidianamente por uma funcionária de nome fictício Lúcia. Por ser uma pessoa próxima, sempre escuto seus relatos dela referentes ao seu trabalho e acredito que eles vão de encontro com o tema debatido até aqui. Minha coleta de dados se baseou principalmente por uma entrevista, em anexo a este trabalho.

Lúcia tem 25 anos e trabalha em uma empresa multinacional com base nos Estados Unidos, de petróleo e gás. Sua função é a de analista contábil Junior. Minha primeira pergunta se refere ao seu horário de entrada e saída, que é segundo ela das 9h às 18h, mas na maioria das vezes ocorre dela permanecer na empresa até as 21h. Ela reclama que em seu departamento existe muito trabalho para poucas pessoas realizarem, sobrecarregando-a desta forma e forçando-a a fazer horas extras.

Um ponto interessante que foi colocado pela entrevistada é o fato de não haver um incômodo maior por ela de sair tarde, mesmo não possuindo tempo livre no seu dia-a-dia, segundo ela “bem ou mal você está ganhando para isso”. Ela relata que se sair no horário estabelecido ela pegará muito transito, e não chegará muito mais tarde do que se ficar até as 21h. A sua qualidade está naturalmente comprometida na medida em que demora cerca de 2h30min do trabalho até a casa. A sua empresa, por sua vez, oferece taxi até a sua residência a partir das 21h e vale janta quando o funcionário passa das 18h na empresa.

A entrevistada acredita que a método organizacional proposto por Mair não é o ideal para ela, preferindo, desta forma, continuar trabalhando com um horário flexível. Além de existir prazos que devem ser cumpridos em determinados períodos, ela diz que quando a carga de trabalho está mais tranqüila (o que não ocorre com freqüência) ela consegue sair no horário normal, além disto, segundo ela, existem compromissos pessoais que são marcados nos horários comerciais, no qual ela pode resolvê-los se ausentando do trabalho por algumas horas. Outra questão tratada por Lúcia se refere as conversas no corredor, segundo ela estas conversas podem trazer benefícios, pois ao ter contato com funcionários de outras áreas boas idéias podem surgir na finalidade de melhorar os processos de trabalho.

A visão que podemos traçar da empresa de Lúcia é de uma organização que busca trazer diversos benefícios aos seus funcionários, conciliando os objetivos das duas partes. Ela poderia se ater a uma cultura organizacional como a do Brasil, mas optou propiciar diversos acréscimo. Desde o plano de saúde, odontológico, janta, o auxilio escola (para quem tem crianças), até os diversos cursos e treinamentos. Isto propicia no trabalhador um incentivo, uma motivação, mas as pessoas não devem estar motivadas ao longo prazo, mas também satisfeitas como diz Mair. Lúcia informalmente me relata diversas vezes estar cansada com o trabalho, observo também que muitas coisas que ela gostaria de fazer não está sendo possível devido à dedicação total ao mesmo de segunda à sexta. Até nos finais de semana e feriados, onde ela diz ser o tempo que ela tem para relaxar, existe uma dificuldade de se desligar do trabalho.

Ricardo Semler, em seu livro Virando a mesa, nos alerta para na necessidade de haver descansos, dos trabalhadores estarem trocando a bateria pelo menos uma vez por ano, e não apenas nos feriados ou final de semana. Ele alerta também para esta dificuldade em se desligar da empresa, o que ocorre mesmo nas férias, férias estas que Lúcia não tira a três anos, desde que era estagiária, segundo Semler

Recarregar a bateria pode acontecer em fins de semana tranqüilos, atividades

externas à empresa, hobbies etc. Mas somente o período de férias serve para trocar a bateria que energiza o profissional dos dias de hoje, tão exageradamente movido à alta velocidade dos tempos da pressa.(SEMLER, p.206 ).

A meu ver, o que mais motiva Lúcia na empresa são seus objetivos pessoais, relatados por ela como sendo a vontade de aprender cada vez mais, de ganhar sólidas experiências na sua área.

Quanto às relações da vida pessoal e trabalho, Lúcia diz ter passado por conflitos internos que envolviam relações pessoais, mas ela superou este ponto pensando profissionalmente, tendo apenas relações profissionais com sua equipe. Retornamos, desta forma, ao problema em misturar vida pessoal e vida profissional.

A própria Judith Mair afirma que existem exceções, “em algumas profissões, devido à dinâmica do trabalho, temos que ficar mais tempo no trabalho, trabalhar a noite” (Revista Época), este é o caso de Lúcia, que segundo ela, pelo menos duas semanas no mês existe a necessidade de se sair mais tarde. O problema é quando isto vira regra, e o trabalhador passa a ver seu trabalho como objetivo único em sua vida.

Outros pontos colocados por Lúcia, que podem vir a ser colocados como questões a serem superadas na empresa é a falta de um plano de carreira sólido e a diferenciação de funcionários, no caso dela por ser terceirizada ela deixou de receber um beneficio salarial.

Semler alerta para a necessidade de haver um planejamento de cargos e salários, na finalidade de haver motivação dos trabalhadores para não só receberem de acordo com o mercado, mas também em outro caso se sentirem motivados a subir na pirâmide hierárquica.

No entanto, não cheguei a ver ainda alguma sistemática de descrição de cargo que reúna um ou mais funcionários e discuta com eles sobre o que eles fazem na atualidade e o que, de fato, eles gostariam, se sentiriam qualificados ou motivados a fazer. (SEMLER, p.212)

Ele alerta que é necessário haver programas de participação e de interesse dos funcionários, e não pensar somente na questão de salários e benefícios. No caso de Lúcia, por exemplo, o que mais está importando para ela no momento é estar sempre em um processo de crescente de aprendizagem, e não em uma ambição salarial.

Quanto à diferenciação de tratamento entre os terceirizados e os contratados, não se pode perder de vista o que a organização pretende ou valoriza. No caso em questão, Lúcia recebeu parte de um bônus referente a compra de sua empresa, o que a deixou muita desmotiva pelo o fato dela se dedicar tanto ou mais que os outros funcionários. Semler alerta que “o respeito e o poder organizacional precisam acontecer na prática e no cotidiano para terem qualquer validade” (SEMLER. P.217), pois apenas no papel dizer que todos os funcionários são iguais não resulta em resultados objetivos no intuito de gerar estímulos.

Não é tarefa simples, como vimos vendo, conciliar objetivos organizacionais com os objetivos individuais, haja vista as disputas históricas entre as partes. Muitas vezes os Recursos Humanos se vê impedido pela direção (presidentes ou acionistas) a realizar ações que acredita ser cabíveis a organização, e por outro lado se percebe pressionada pelos funcionários para estar atuando de maneira mais ativa, quando muitas vezes é impedido. Semler, em sua ironia própria da obra citada, resume como pode ser entendido o setor de Recursos Humanos na empresa:

Não podemos esquecer que a área de RH é o misto-quente da organização. Fica presa entre os empregados e a empresa e pretende representar os melhores interesses dos dois. Por causa desta missão impossível, vive sendo frita por um dos lados. (SEMLER, p. 208)

Para que o RH possa atuar de maneira plena em uma empresa Semler diz ser necessário que ele se divida em quatro partes: “Remuneração & Beneficios, Integração & Treinamento, Gestão de Ambiente de Trabalho e Programas de Incentivo.” (SEMLER, p.215). A primeira parte cumpre com a função de avaliar e comparar salários e benefícios; a segunda em treinar e absolver as pessoas de acordo com a cultura organizacional; a terceira avalia a necessidade de mudanças no ambiente de trabalho, harmonizando o clima organizacional; e a quarta estrutura os programas de bonificação e motivação, além de estar se envolvendo na comunicação dos sindicatos e da empresa.

A empresa de Lúcia trata destes pontos de maneira eficaz, necessitando como já foi frisado de ajustar o primeiro e o quarto ponto, pois segundo a entrevistada os salários estão a um longo período sem grandes acréscimos e não há um plano de carreira eficaz, apesar de ela relatar já estar respondendo a pesquisas no intuito de elaborar este plano de carreira.

Um ponto forte na empresa em que Lúcia trabalha são os jornais internos, eu mesmo pude ver algumas edições. Eles tratam de diversos assuntos, possibilitando que os funcionários saibam quais estão sendo os planos da empresa, seus investimentos, o que está acontecendo em outros departamentos, entre outros, que permitem uma comunicação mais aberta entre a empresa e seus funcionários.

A outra razão é de que o jornalzinho interno é símbolo da comunicação da empresa com funcionários. Lembre-se de que adultos maduros não acham que boa comunicação é receber um jornalzinho. (...) Se a empresa quer se comunicar com os funcionários através do jornal, que o faça mostrando a disposição de discutir qualquer assunto, sem censura. (SEMLER, p.227)

Visto os fatos vivenciados por Lúcia em seu cotidiano, podemos iniciar algumas conclusões. Primeiramente, quanto a suas habituais horas extras, a empresa poderia estar avaliando melhor as descrições de cargos, suas funções e tarefas, logo chegaria a conclusão que é necessário mais contratações para seu departamento, favorecendo desta forma a um clima organizacional menos tenso. Possibilitaria também a agilização dos trabalhos nos períodos finalização dos prazos. Estabelecendo um horário mais fixo e estimulando a qualidade de sua vida pessoal como já propunha Mair.

Vejo que outros pontos não estão ao alcance da organização, como por exemplo, a dificuldade encontrada por Lúcia no seu deslocamento ao trabalho e na volta para casa, devido à grande distancia percorrida (Niterói-Copacabana) e ao trânsito. Logo como já dito, estes fatos se devem a outras conjunturas, estas que são grandes causadoras da falta de uma qualidade de vida nas grandes cidades.

O que muitos autores defendem, e que também é de meu ponto de vista, é que os ideais de Judith Mair devem ser ponderados e relativizados de acordo com a cultura organizacional. Como vimos, Lúcia continua preferindo a flexibilização das horas de trabalho aos métodos de Mair, por fatores pessoais. Outra questão (para fazer uma analogia a necessidade de adaptação do método) é que no Brasil as pessoas dificilmente se habituariam a chamar o colega pelo sobrenome.

Acho interessante, desta forma, manter o alerta de Mair. Até onde a vida profissional pode invadir a vida pessoal (ou abolir com a mesma)? Até onde seria saudável? O trabalho intenso, e uma longa jornada como mostrou Mair, é visto em Semler como provocador de um cansaço gradual que necessita ser recuperado, e esta recuperação se torna difícil pelo fato do empregado estar tão envolvido com as atividades da empresa, que não consegue se desligar da mesma.

O Recurso Humano, portanto, é primordial para buscar a qualidade de vida dos funcionários, mesmo que os profissionais daquele departamento se sintam coagidos pelos seus superiores a tomar decisões ou adotar determinadas ideologias, como disse muito bem Semler, o RH é como um misto quente, com pressões de diferentes grupos atuando sobre ele. É imprescindível desta forma que os objetivos pessoais sejam buscados mantendo um diálogo claro e constante entre as partes. Por fim, devemos sempre lutar pela qualidade de vida, como vista no início deste trabalho, um processo que resultou ao longo dos anos em diversas conquistas que vieram a beneficiar tanto as organizações quanto os funcionários.

BIBLIOGRAFIA

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MARX, Karl. O capital. 7.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982 V.1, capítulo X.

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TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio. 1.ed. São Paulo: Atual 2007.