Resumo: uma análise da influência do marketing no consumismo no mundo pós-moderno à partir dos pressupostos do fetichismo da mercadoria de Marx e a força do desejo do indivíduo dentro da perspectiva psicanalítica.
Artigo originalmente publicado em: http://static.scribd.comdocs43l96s81meyd7.swf?INITIAL_VIEW=width
Um amigo meu, certa vez em sala de aula, disse a seguinte frase: “necessidade é água, desejo é Coca-cola”. Achei brilhante o conteúdo, pois traz em tona, uma discussão complexa acerca do caráter sensual da mercadoria à luz da psicanálise e também, do materialismo histórico-dialético, concepção filosófica desenvolvida por Marx e Engels. (...) esse post se destina àquele leitor mais ambicioso, que desconfia do que a realidade aparenta ser.
Antes de iniciar, faz-se necessário apontar que, infelizmente, é comum o Marx ser visto como uma besta socialista, aquele diabo barbudo que escreveu “O Manifesto Comunista”. Sem dúvidas que aqui reside um conceito de pessoas que conhecem Marx porque ouviram falar na televisão ou porque ouviu algum estulto “Justus”, dizer que ele é o pai dos regimes autoritários. Tais premissas são infundadas, na medida em que não levam em consideração, toda construção filosófica que Marx desenvolveu para uma compreensão do indivíduo em sua totalidade bio-psíquica- social; no marxismo o ser humano é social, se relaciona, transforma e é transformado pelo meio e pela natureza. Tais preconceitos apontados, talvez se respaldam, pela atribuição de regimes totalitários, classificados pela mídia como Socialismo e Comunismo; a extinta URSS, outros países já desintegrados da Europa Oriental e atualmente, Cuba. Experiências socialistas com muito mais contradições do que semelhanças com o socialismo que Marx anunciava enquanto pré-condição para se atingir um regime Comunista. Caíram as cortinas de ferro e ergueu-se um caldeirão de dogmas que espalha suas mentiras por toda parte: o PT é marxista; partidos de esquerda são marxistas; a ditadura é marxista (sic); autoritarismo e tortura são coisas de governos socialistas e comunistas; os socialistas querem apropriar do que você conseguiu com muito esforço; os comunistas incitam a violência; etc.
O Capitalismo é especialista em criar dogmas. Em defesa, acorrentados entre o tempo e a configuração econômica, o cego, livre para ver o sol, se agarra em conceitos de liberdade, igualdade e justiça. Liberdade de fechar um contrato e de fazer escolhas; igualdade, pois todos têm a mesma liberdade e se não tem é o próprio culpado. – Aqui, igualdade se mede em dinheiro e, justiça, significa o produto entre o dado e o recebido. Definitivamente, esse texto, não se destina aos que classificam “O Capital” da mesma forma que o Diabo classificou a Bíblia. Esses estúpidos que, se antes soubessem o aporte teórico que Marx deixou para a compreensão do indivíduo em sua totalidade e que, jamais se constitui – como nada se constituirá - enquanto esgotamento compreensivo, não escreveriam estultices como o que se percebe no texto, - que por sinal muito mal redigido - escrito por um blogueiro “pop” da revista Veja.
(...)
Um conceito fundamental em Marx, quando nos atentamos para a mercadoria, principalmente em tempos de verdadeiros bombardeios de publicidade e propaganda, é o fetichismo da mercadoria. A palavra fetiche vem de “feitiço”, algo que exerce um poder sobrenatural sobre alguém. Na Psicanálise freudiana, fetiche pode ser entendido como o substituto de um objeto do desejo.
Logo, o que Marx quer dizer com fetichismo da mercadoria, é o fato do produto exercer um controle – sobrenatural até - sobre o comprador. Muito além daquele do valor de uso, ou seja, a finalidade a que se destina o produto. O sujeito pode comprar uma calça jeans Fórum não pela simples necessidade de vestir o corpo, mas muito mais, enquanto uma possibilidade de satisfazer seus desejos refletidos através do significado da calça Fórum. Muito mais que cobrir o corpo nu, o comprador vê a calça enquanto um meio para satisfação dos seus desejos de atração, de identidade, de sensualidade, de ascensão social, etc. Esse é apenas um exemplo de uma lista que pode ser extensamente indefinida. Mas a calça jeans Fórum de nada significa para o sujeito se não houvesse por trás, toda propaganda do fabricante que transmite seus horizontes aos destinatários.
Tais horizontes transmitem de um lado, os sucessos na carreira profissional no mercado de trabalho, de outro, a reputação geral, sobretudo do sucesso amoroso. Tais técnicas, a do apelo pela imagem, pela música e pela embalagem, fazem parte da estética da mercadoria; um tema muito bem desenvolvido por um alemão chamado Wolfgang Fritz Haug, em “Crítica da Estética da mercadoria” (1971). Para Haug, a estética mercadológica consiste em oferecer as mercadorias enquanto meios para que o próprio sujeito se torne “vendável”. O significado por trás do valor de uso da mercadoria, isto é, a embalagem, é construída à imagem e semelhança da sensualidade humana; um elemento e atrativo sedutor, que promete o bem-estar e sucesso geral do indivíduo.
Subvertem-se os valores, isto é, o valor de uso passa a ser mero opcional, e o valor abstrato, aquilo que a mercadoria promete, mas não pode cumprir, torna-se fundamental para criar comportamentos padrões em grupos potenciais de consumo. Assim se realiza o fetichismo da mercadoria, ou seja, o poder “sobrenatural” criado pelo produtor para que seu produto exerça domínio sobre o sujeito.
Psicanaliticamente falando, o que se verifica é uma incorporação na embalagem e na publicidade, na mercadoria em si, dos desejos e das fantasias do sujeito. Tais desejos e fantasias, sejam eles sexuais ou agressivos, - em sua grande maioria reprimidos pela Cultura - são refletidos enquanto possibilidades de satisfação pela mercadoria. Ocorre aí também, uma subversão de valores, isto é, o produto torna em si, um substituto do objeto de desejo (um fetiche). Mas na medida em que a sedução do produto substitui não apenas um desejo, mas sim, reflete a possibilidade de suprir vários desejos, apelando aos instintos mais vitais, – em essencial a sexualidade - o Capital faz do desejo do sujeito uma necessidade. Faz com que o sujeito sedento troque a água pela Coca-cola.
Algo recente onde se verifica claramente a perversidade do fetiche da mercadoria, acontece com produtos do gênero de embelezamento, os cosméticos, voltados para o público masculino – sabemos que para o público feminino isso vem de longa data.
Na procura de novas possibilidades de investimentos e lucros exorbitantes, o capital subverte os valores daquele homem que até então “dava conta do recado”. Este homem, já não é mais aquele que raramente corta as unhas e apara a barba, mas sim, aquele que está constantemente se cuidando e se atualizando com as novidades da moda, da beleza, dos automóveis, das tecnologias, etc. Uma compra deve acarretar outras.
Assim, quando até pouco tempo atrás, o “verdadeiro” homem podia lavar os cabelos com água quando muito um sabonete ou xampu, hoje já está até realizando cirurgias plásticas com função de melhorar seus níveis de beleza. Tal mudança se deve principalmente, aos constantes apelos publicitários e as estratégias da estética da mercadoria que vêm criando tal necessidade nos
homens.
Usa-se a imagem da mulher linda que não mais escolhe o sujeito simpático em formato de pêra, mas opta pelos minotauros dotados de corpo atlético e cabeça de besta (nada contra a musculação); não basta mais o homem estar limpo, é necessário que ele esteja cheirando aos mais requisitados perfumes franceses; homem que consegue a bela mulher da embalagem é aquele bronzeado, sem nenhuma mancha no rosto e de sorriso com dentes impecáveis em brancura.
O Capital descobriu que apelar à masculinidade significa aumentar significativamente os lucros. Nesse sentindo, o produtor transforma sua marca enquanto necessidade de consumo, após muitos slogans e propagandas ostentando pessoas que são bem-sucedidas profissionalmente, pessoalmente e principalmente amorosamente por optarem em usar determinado produto e/ou marca.
O jovem que vai conseguir beijar na boca da bela mocinha por tomar um guaraná X; o executivo em sua mansão atendendo a um telefonema de uma linda mulher através do seu celular Y; o complexo vitamínico que promete juventude à senilidade; o rapaz comum que passou o perfume Z nas axilas e agora está rodeado por belas moças… etc.
Quando tais comportamentos exibidos na embalagem da mercadoria são cristalizados no grupo, ela enfim, adquire a plenitude do status fetichista. Nenhum grupo sai ileso, todas as classes sociais são atingidas. O rico vê na mercadoria a personificação do glamour, da classe alta e da ascensão. O pobre vê na mercadoria, a possibilidade, principalmente, da ascensão profissional e pessoal; ele não pode ter um carro de luxo, mas pode ter aquela motocicleta que o artista Sandy & Júnior usa para se ver liberto de “todos os males”.
Adultos, homens, mulheres, adolescentes, religiosos, crianças, hippies, emos, metaleiros, etc. Nem mesmo os rebeldes que se dizem não ir pela opinião da maioria saem ilesos. Estes, se não são sensibilizados pelos comportamentos padrões, são sensibilizados por comportamentos considerados únicos.
Recentemente surgiram duas propagandas de automóveis que visam especificamente enaltecer a singularidade do sujeito que se diz não ir pela opinião dos outros. Esse é um aspecto que tende a ser explorado pelos produtores, que começam a perceber nos grupos diferenciados, um potencial de consumo fiel. Os homossexuais, por exemplo, são um público alvo de fácil “domesticabilidade” nesse quesito.
Nem mesmo os velhos que são considerados inválidos para a sociedade capitalista são poupados. De um lado são invalidados por não representarem capacidade de produção, por outro, são validados enquanto grupo de consumo especial, vítimas, sobretudo, de produtos que prometem trazer a juventude perdida.
Os grupos se distinguem para o capital, apenas enquanto maior ou menor potencial de consumo; o objetivo é sempre a criação de desejos transfigurados em necessidades; uma compra leva a outra em um emaranhado de fetiches sem fim.
Eis a lógica da mercadoria perpassada pela estética e pelos fetiches, pelos apelos à sensualidade, à juventude, à masculinidade, ao sucesso profissional e geral, sobretudo, o amoroso; eis a oferenda da aparência abstrata, a hipocrisia. “Quem compra tais mercadorias anunciadas como se estivessem anunciando o próprio corpo terá sua aparência prostituída por elas, vestirá suas particularidades sexuais com a embalagem da comprabilidade, fazendo que elas se ofereçam a todos que as virem.” (Wolfgang Haug)
A solução não é você deixar de consumir, todos nós temos necessidades. O materialismo histórico-dialético não ostenta uma vida de pobreza, pelo contrário, opõe-se a ela. A concepção filosófica e política de Marx, não priva homem algum de possuir os produtos criados pela sociedade, mas sim, abomina qualquer poder de subjugar o trabalhador do que ele próprio produziu, isto é, a apropriação indevida a partir da exploração dos que não têm os meios de produção.
O que se coloca, é uma superação das relações alienantes a qual o homem está imerso. O radicalismo e o fanatismo podem morar na justificativa de que não se deve comprar nenhum produto. O Capital, mais que interessado no seu dinheiro em específico, - o dinheiro é apenas o efeito colateral - depende do seu comportamento a favor dele para se ostentar e alastrar sua perversidade. A resposta está nas suas ações, se contribuem para manutenção ou na superação da realidade que está posta.
Não foi objetivo do texto, levantar uma bandeira com os dizeres “Socialismo já!”.
Um modelo de sociedade previsto por Marx é uma utopia a ser considerada, como a sociedade do futuro elaborada por Skinner em Walden Two, e muitos outros modelos de sociedades “adaptadas”. As utopias são diferentes dos dogmas, precisamos delas para sobreviver: a utopia de alcançar a felicidade plena, o amor que idealizamos, a saúde absoluta, a vida eterna… – Utopias permitem transformar o microcosmo quando começamos a pensar o que podemos fazer para melhorar nossas próprias ações, o que necessariamente afeta todas as relações, o macrocosmo. O movimento das nossas ações, níveis de conscientização e humanização, ditaram o futuro, e este não é previsível como são nas falsas palavras do tecnicismo. O futuro, Marx não nos deixou descrito em manual, no máximo, algumas previsões que naturalmente não são imunes aos erros.
Se vivemos numa sociedade capitalista, não sejamos parte do monstro que anuncia que quem não devora é devorado. Esse monstro também é embalagem, o que se esconde por trás de suas oferendas são os mandos e os desmandos, as relações de dominação e exclusão que atinge a todos. Se não atinge pela fome e miséria, domina o corpo e o “espírito”; fazendo dos braços e pernas, ferramentas úteis para aumentar a produção e o consumo, além de trancar os sonhos entre os porões guardados pelo tempo.
Esse monstro, apela à liberdade. Diz que todos nós temos liberdade para escolher e ser como queremos. Mas, a liberdade (…) não se encontra na ilusão do “posso tudo”, nem no conformismo do “nada posso”. Encontra-se na disposição para interpretar e decifrar os vetores do campo presente como possibilidades objetivas, isto é, como abertura de novas direções e de novos sentidos a partir do que está dado. (Chauí, 1999)
Sejamos críticos e conscientes no sentido de transformar a realidade social contraditória e coercitiva, por menor que seja a transformação. Nosso inimigo em comum não é o Capitalismo em si, mas os monstros que fazem deste, algo tão perverso quanto o Deus do Antigo Testamento; monstros que agem e fazem com que você incorpore, legitimando cada ação de exclusão, dominação e alienação; tal como àquele blogueiro da Veja que dança e rebola quando vê o símbolo do cifrão, profana contra à vida porque já se perdeu da sua identidade e natureza humana, mas cumpre sua perversa e única função, a de prostituição: vender uma aparência e se vender como tal.
Artigo originalmente publicado em: http://static.scribd.comdocs43l96s81meyd7.swf?INITIAL_VIEW=width
Um amigo meu, certa vez em sala de aula, disse a seguinte frase: “necessidade é água, desejo é Coca-cola”. Achei brilhante o conteúdo, pois traz em tona, uma discussão complexa acerca do caráter sensual da mercadoria à luz da psicanálise e também, do materialismo histórico-dialético, concepção filosófica desenvolvida por Marx e Engels. (...) esse post se destina àquele leitor mais ambicioso, que desconfia do que a realidade aparenta ser.
Antes de iniciar, faz-se necessário apontar que, infelizmente, é comum o Marx ser visto como uma besta socialista, aquele diabo barbudo que escreveu “O Manifesto Comunista”. Sem dúvidas que aqui reside um conceito de pessoas que conhecem Marx porque ouviram falar na televisão ou porque ouviu algum estulto “Justus”, dizer que ele é o pai dos regimes autoritários. Tais premissas são infundadas, na medida em que não levam em consideração, toda construção filosófica que Marx desenvolveu para uma compreensão do indivíduo em sua totalidade bio-psíquica- social; no marxismo o ser humano é social, se relaciona, transforma e é transformado pelo meio e pela natureza. Tais preconceitos apontados, talvez se respaldam, pela atribuição de regimes totalitários, classificados pela mídia como Socialismo e Comunismo; a extinta URSS, outros países já desintegrados da Europa Oriental e atualmente, Cuba. Experiências socialistas com muito mais contradições do que semelhanças com o socialismo que Marx anunciava enquanto pré-condição para se atingir um regime Comunista. Caíram as cortinas de ferro e ergueu-se um caldeirão de dogmas que espalha suas mentiras por toda parte: o PT é marxista; partidos de esquerda são marxistas; a ditadura é marxista (sic); autoritarismo e tortura são coisas de governos socialistas e comunistas; os socialistas querem apropriar do que você conseguiu com muito esforço; os comunistas incitam a violência; etc.
O Capitalismo é especialista em criar dogmas. Em defesa, acorrentados entre o tempo e a configuração econômica, o cego, livre para ver o sol, se agarra em conceitos de liberdade, igualdade e justiça. Liberdade de fechar um contrato e de fazer escolhas; igualdade, pois todos têm a mesma liberdade e se não tem é o próprio culpado. – Aqui, igualdade se mede em dinheiro e, justiça, significa o produto entre o dado e o recebido. Definitivamente, esse texto, não se destina aos que classificam “O Capital” da mesma forma que o Diabo classificou a Bíblia. Esses estúpidos que, se antes soubessem o aporte teórico que Marx deixou para a compreensão do indivíduo em sua totalidade e que, jamais se constitui – como nada se constituirá - enquanto esgotamento compreensivo, não escreveriam estultices como o que se percebe no texto, - que por sinal muito mal redigido - escrito por um blogueiro “pop” da revista Veja.
(...)
Um conceito fundamental em Marx, quando nos atentamos para a mercadoria, principalmente em tempos de verdadeiros bombardeios de publicidade e propaganda, é o fetichismo da mercadoria. A palavra fetiche vem de “feitiço”, algo que exerce um poder sobrenatural sobre alguém. Na Psicanálise freudiana, fetiche pode ser entendido como o substituto de um objeto do desejo.
Logo, o que Marx quer dizer com fetichismo da mercadoria, é o fato do produto exercer um controle – sobrenatural até - sobre o comprador. Muito além daquele do valor de uso, ou seja, a finalidade a que se destina o produto. O sujeito pode comprar uma calça jeans Fórum não pela simples necessidade de vestir o corpo, mas muito mais, enquanto uma possibilidade de satisfazer seus desejos refletidos através do significado da calça Fórum. Muito mais que cobrir o corpo nu, o comprador vê a calça enquanto um meio para satisfação dos seus desejos de atração, de identidade, de sensualidade, de ascensão social, etc. Esse é apenas um exemplo de uma lista que pode ser extensamente indefinida. Mas a calça jeans Fórum de nada significa para o sujeito se não houvesse por trás, toda propaganda do fabricante que transmite seus horizontes aos destinatários.
Tais horizontes transmitem de um lado, os sucessos na carreira profissional no mercado de trabalho, de outro, a reputação geral, sobretudo do sucesso amoroso. Tais técnicas, a do apelo pela imagem, pela música e pela embalagem, fazem parte da estética da mercadoria; um tema muito bem desenvolvido por um alemão chamado Wolfgang Fritz Haug, em “Crítica da Estética da mercadoria” (1971). Para Haug, a estética mercadológica consiste em oferecer as mercadorias enquanto meios para que o próprio sujeito se torne “vendável”. O significado por trás do valor de uso da mercadoria, isto é, a embalagem, é construída à imagem e semelhança da sensualidade humana; um elemento e atrativo sedutor, que promete o bem-estar e sucesso geral do indivíduo.
Subvertem-se os valores, isto é, o valor de uso passa a ser mero opcional, e o valor abstrato, aquilo que a mercadoria promete, mas não pode cumprir, torna-se fundamental para criar comportamentos padrões em grupos potenciais de consumo. Assim se realiza o fetichismo da mercadoria, ou seja, o poder “sobrenatural” criado pelo produtor para que seu produto exerça domínio sobre o sujeito.
Psicanaliticamente falando, o que se verifica é uma incorporação na embalagem e na publicidade, na mercadoria em si, dos desejos e das fantasias do sujeito. Tais desejos e fantasias, sejam eles sexuais ou agressivos, - em sua grande maioria reprimidos pela Cultura - são refletidos enquanto possibilidades de satisfação pela mercadoria. Ocorre aí também, uma subversão de valores, isto é, o produto torna em si, um substituto do objeto de desejo (um fetiche). Mas na medida em que a sedução do produto substitui não apenas um desejo, mas sim, reflete a possibilidade de suprir vários desejos, apelando aos instintos mais vitais, – em essencial a sexualidade - o Capital faz do desejo do sujeito uma necessidade. Faz com que o sujeito sedento troque a água pela Coca-cola.
Algo recente onde se verifica claramente a perversidade do fetiche da mercadoria, acontece com produtos do gênero de embelezamento, os cosméticos, voltados para o público masculino – sabemos que para o público feminino isso vem de longa data.
Na procura de novas possibilidades de investimentos e lucros exorbitantes, o capital subverte os valores daquele homem que até então “dava conta do recado”. Este homem, já não é mais aquele que raramente corta as unhas e apara a barba, mas sim, aquele que está constantemente se cuidando e se atualizando com as novidades da moda, da beleza, dos automóveis, das tecnologias, etc. Uma compra deve acarretar outras.
Assim, quando até pouco tempo atrás, o “verdadeiro” homem podia lavar os cabelos com água quando muito um sabonete ou xampu, hoje já está até realizando cirurgias plásticas com função de melhorar seus níveis de beleza. Tal mudança se deve principalmente, aos constantes apelos publicitários e as estratégias da estética da mercadoria que vêm criando tal necessidade nos
homens.
Usa-se a imagem da mulher linda que não mais escolhe o sujeito simpático em formato de pêra, mas opta pelos minotauros dotados de corpo atlético e cabeça de besta (nada contra a musculação); não basta mais o homem estar limpo, é necessário que ele esteja cheirando aos mais requisitados perfumes franceses; homem que consegue a bela mulher da embalagem é aquele bronzeado, sem nenhuma mancha no rosto e de sorriso com dentes impecáveis em brancura.
O Capital descobriu que apelar à masculinidade significa aumentar significativamente os lucros. Nesse sentindo, o produtor transforma sua marca enquanto necessidade de consumo, após muitos slogans e propagandas ostentando pessoas que são bem-sucedidas profissionalmente, pessoalmente e principalmente amorosamente por optarem em usar determinado produto e/ou marca.
O jovem que vai conseguir beijar na boca da bela mocinha por tomar um guaraná X; o executivo em sua mansão atendendo a um telefonema de uma linda mulher através do seu celular Y; o complexo vitamínico que promete juventude à senilidade; o rapaz comum que passou o perfume Z nas axilas e agora está rodeado por belas moças… etc.
Quando tais comportamentos exibidos na embalagem da mercadoria são cristalizados no grupo, ela enfim, adquire a plenitude do status fetichista. Nenhum grupo sai ileso, todas as classes sociais são atingidas. O rico vê na mercadoria a personificação do glamour, da classe alta e da ascensão. O pobre vê na mercadoria, a possibilidade, principalmente, da ascensão profissional e pessoal; ele não pode ter um carro de luxo, mas pode ter aquela motocicleta que o artista Sandy & Júnior usa para se ver liberto de “todos os males”.
Adultos, homens, mulheres, adolescentes, religiosos, crianças, hippies, emos, metaleiros, etc. Nem mesmo os rebeldes que se dizem não ir pela opinião da maioria saem ilesos. Estes, se não são sensibilizados pelos comportamentos padrões, são sensibilizados por comportamentos considerados únicos.
Recentemente surgiram duas propagandas de automóveis que visam especificamente enaltecer a singularidade do sujeito que se diz não ir pela opinião dos outros. Esse é um aspecto que tende a ser explorado pelos produtores, que começam a perceber nos grupos diferenciados, um potencial de consumo fiel. Os homossexuais, por exemplo, são um público alvo de fácil “domesticabilidade” nesse quesito.
Nem mesmo os velhos que são considerados inválidos para a sociedade capitalista são poupados. De um lado são invalidados por não representarem capacidade de produção, por outro, são validados enquanto grupo de consumo especial, vítimas, sobretudo, de produtos que prometem trazer a juventude perdida.
Os grupos se distinguem para o capital, apenas enquanto maior ou menor potencial de consumo; o objetivo é sempre a criação de desejos transfigurados em necessidades; uma compra leva a outra em um emaranhado de fetiches sem fim.
Eis a lógica da mercadoria perpassada pela estética e pelos fetiches, pelos apelos à sensualidade, à juventude, à masculinidade, ao sucesso profissional e geral, sobretudo, o amoroso; eis a oferenda da aparência abstrata, a hipocrisia. “Quem compra tais mercadorias anunciadas como se estivessem anunciando o próprio corpo terá sua aparência prostituída por elas, vestirá suas particularidades sexuais com a embalagem da comprabilidade, fazendo que elas se ofereçam a todos que as virem.” (Wolfgang Haug)
Epílogo
Uma pergunta se faz: há possibilidades de não ser “enfeitiçado” pelo produto? – Talvez não seja possível responder, e a resposta pode não trazer nenhum avanço. Melhor seria perguntar, o que eu posso fazer para não reproduzir as relações alienantes do Capital? – Acredito que conhecer o modo de funcionamento de uma sociedade de classes, seu respectivo modo de produção e configuração econômica, podem trazer grandes vantagens.A solução não é você deixar de consumir, todos nós temos necessidades. O materialismo histórico-dialético não ostenta uma vida de pobreza, pelo contrário, opõe-se a ela. A concepção filosófica e política de Marx, não priva homem algum de possuir os produtos criados pela sociedade, mas sim, abomina qualquer poder de subjugar o trabalhador do que ele próprio produziu, isto é, a apropriação indevida a partir da exploração dos que não têm os meios de produção.
O que se coloca, é uma superação das relações alienantes a qual o homem está imerso. O radicalismo e o fanatismo podem morar na justificativa de que não se deve comprar nenhum produto. O Capital, mais que interessado no seu dinheiro em específico, - o dinheiro é apenas o efeito colateral - depende do seu comportamento a favor dele para se ostentar e alastrar sua perversidade. A resposta está nas suas ações, se contribuem para manutenção ou na superação da realidade que está posta.
Não foi objetivo do texto, levantar uma bandeira com os dizeres “Socialismo já!”.
Um modelo de sociedade previsto por Marx é uma utopia a ser considerada, como a sociedade do futuro elaborada por Skinner em Walden Two, e muitos outros modelos de sociedades “adaptadas”. As utopias são diferentes dos dogmas, precisamos delas para sobreviver: a utopia de alcançar a felicidade plena, o amor que idealizamos, a saúde absoluta, a vida eterna… – Utopias permitem transformar o microcosmo quando começamos a pensar o que podemos fazer para melhorar nossas próprias ações, o que necessariamente afeta todas as relações, o macrocosmo. O movimento das nossas ações, níveis de conscientização e humanização, ditaram o futuro, e este não é previsível como são nas falsas palavras do tecnicismo. O futuro, Marx não nos deixou descrito em manual, no máximo, algumas previsões que naturalmente não são imunes aos erros.
Se vivemos numa sociedade capitalista, não sejamos parte do monstro que anuncia que quem não devora é devorado. Esse monstro também é embalagem, o que se esconde por trás de suas oferendas são os mandos e os desmandos, as relações de dominação e exclusão que atinge a todos. Se não atinge pela fome e miséria, domina o corpo e o “espírito”; fazendo dos braços e pernas, ferramentas úteis para aumentar a produção e o consumo, além de trancar os sonhos entre os porões guardados pelo tempo.
Esse monstro, apela à liberdade. Diz que todos nós temos liberdade para escolher e ser como queremos. Mas, a liberdade (…) não se encontra na ilusão do “posso tudo”, nem no conformismo do “nada posso”. Encontra-se na disposição para interpretar e decifrar os vetores do campo presente como possibilidades objetivas, isto é, como abertura de novas direções e de novos sentidos a partir do que está dado. (Chauí, 1999)
Sejamos críticos e conscientes no sentido de transformar a realidade social contraditória e coercitiva, por menor que seja a transformação. Nosso inimigo em comum não é o Capitalismo em si, mas os monstros que fazem deste, algo tão perverso quanto o Deus do Antigo Testamento; monstros que agem e fazem com que você incorpore, legitimando cada ação de exclusão, dominação e alienação; tal como àquele blogueiro da Veja que dança e rebola quando vê o símbolo do cifrão, profana contra à vida porque já se perdeu da sua identidade e natureza humana, mas cumpre sua perversa e única função, a de prostituição: vender uma aparência e se vender como tal.
Velho, teu blog é de grande valor!
ResponderExcluirMuito bem exposto seu raciocínio. Vou enviar para meu email de grupo na faculdade (Unesp - Rio Claro) onde sou discente. Sou estudante de Geografia, essa ciência, que para mim é a ciência do futuro, afinal seu objeto de estudo é o espaço - "o lugar" - . Obrigado e boa sorte. Jeferson Correa.
ResponderExcluirCaro Jeferson Correa,
ResponderExcluirMuito obrigado por postar em meu blog, embora não tenha como retorna este agradecimento diretamente.
É importantissimo resaltar que o texto acima não é meu, o link de onde eu retirei está logo no inicio do texto.
Um segundo ponto, acho que qualquer ciência, desde as exatas até as humanas, quando disposta a buscar soluções para uma vida humana digna, está valendo quanto ciência. Com certeza a geografia irá contribuir muito para reflexões futuras, assim como tantas outras.
Um grande abraço e muito obrigado pela participação!
Amigo,
ResponderExcluirOnde dizem "Nosso inimigo em comum não é o Capitalismo em si, mas os monstros que fazem deste, algo tão perverso quanto o Deus do Antigo Testamento; monstros que agem e fazem com que você incorpore, legitimando cada ação de exclusão, dominação e alienação";
Estes ultimos não seriam produto das contradições inerentes ao MPC? Creio não ser possivel conciliações dentro desse sistema.
Passei por aqui, gostei do blog e deixo uma mensagem para reflexão. Um abraço!
Esqueci de perguntar: de onde tiraste a imagem do código de barras? qual a fonte? procurando ideias pra uma possivel tatuagem. obrigado!
ResponderExcluirOlá Tássio,
ResponderExcluirPara achar a figura eu digitei "fetiche da mercadoria" no google e procurei por imagens, logo apareceu o logo. Muito bem bolada né! Mas não achei o autor dela.
Obrigado pela reflexão sobre a frase:
"Nosso inimigo em comum não é o Capitalismo em si, mas os monstros que fazem deste, algo tão perverso quanto o Deus do Antigo Testamento; monstros que agem e fazem com que você incorpore, legitimando cada ação de exclusão, dominação e alienação"
Concordo com você e acho que o autor também concordaria, talvés ele se deixou levar por este lado propositalmente, meio que para agradar aqueles que são céticos ao socialismo, não sei.
Como ele mesmo diz: "Não foi objetivo do texto, levantar uma bandeira com os dizeres 'Socialismo já!'."
Realmente a frase é contraditória.
Brigado pelo elogio ao blog, fico muito satisfeito!
Depois que lí este artigo encontrei correspondencia em varias situações que até então me passava desapercebido.Ótimo texto!!!!!1
ResponderExcluirÓtimo texto e esclarecedor, gostei e estou compartilhando com companheiros, mas só tenho uma discordância quanto à realidade da necessidade de superação do capitalismo. Gostei muito da descrição de utopia, muito honesta e justa, mas vejo o Capitalismo como um sistema contraditório, ele é o próprio criador de monstros! Radicalismo de Radix, raiz, só não mais haverão monstros quando a fábrica sessar de trabalhar!!!
ResponderExcluirPor Regis