Ensaio sobre Max Weber.
O capitalismo: da ética protestante a luxuria.
Neste ensaio procurarei mencionar a analise de Max Weber no que se refere ao nascimento das religiões, e seu estudo a partir desta para a compreensão do mundo moderno. E por final, procurar relacionar esta ética religiosa com a “ética do capitalismo” observada hoje em nossa sociedade, na qual os homens não mais se orientam pela religião, mas por outros fatores que veremos abaixo.
Primeiramente Weber foi um dos três pilares mais importantes da sociologia, junto com Émeli Durkhein e Karl Marx. Seus estudos seguem não somente a esfera religiosa, mas também envolvem as esferas políticas, jurídicas, econômicas, familiares, culturais (também no que se refere à racionalidade) entre outras.
A ênfase dada no seu estudo sobre a religião se justifica pelo fato de que essa esfera era a única dotada de sentido na passagem para o mundo moderno. Procurando perceber assim como as pessoas começaram a agir de maneira nova, e compreender porque o Ocidente se tornou uma sociedade tão distinta do Oriente, o que possibilitou ser o que o Ocidente é. Sendo importante assim mencionar que a religião não desempenhou um papel mais importante que as outras esferas, mas sim agiu em conjunto com as mesmas.
O autor em sua metodologia, para melhor orientar seu estudo, define quatro tipos ideais de ações humanas, e o são elas:
>>>A ação tradicional, causas perdidas no passado que ainda predominam no presente, como, por exemplo, o habito e o costume.
>>>A ação Afetiva, causada pela emoção, sem pensar e sem reflexão.
>>>A ação racional com respeito a valores, uma ação refletida como na religiosidade ética. Tem como grande importância um fim moral, e a idealização de um bem supremo.
>>>A ação racional com respeito a fins, que compreende uma consciência clara da realidade, ações calculadas que geram previsibilidade.
Estes quatro tipos de ações humanas ajudaram muito a compreender sua analise da religião, pois muitas vezes os indivíduos têm uma conduta, adotada pela vida religiosa, seguindo uma destas ações, podendo elas se mesclarem. No Brasil, temos predominante uma ação tradicional e emotiva, representada pela sua religiosidade mágica (crença em santos que curam) e no tradicionalismo.
Procuremos, antes de analisar ética protestante e sua contribuição para o capitalismo, perceber as explicações de Weber para o surgimento da religião e como esta passou a regular as vidas dos indivíduos.
Em seu livro Economia e Sociedade, no capitulo cinco, Sociologia da religião, é possível compreender como a religião se constitui poderosa e governadora da vida dos homens. Para mencionar a importância da religião na vida em sociedade, e no que se refere a sua influencia com as outras esferas, Weber nos diz a seguinte frase:
“A ação ou o pensamento religioso ou ‘mágico’ não pode ser apartado, portanto, do circulo das ações cotidianas ligadas a um fim, uma vez também que seus próprios fins são, em sua grande maioria, de natureza econômica.” (p.279) [1].
Quando o homem produz o fogo pela primeira vez esfregando um pau numa peça de madeira e provocando a centelha, a primeiro momento aqui se tem como algo mágico. E o principal ponto aqui é quando se há uma dominação dessa técnica. Em uma analogia, é como se esse algo mágico (carismático), se transformasse, depois de aprendido sua técnica, em algo burocrático (tradicional).
O mágico é então a primeira forma de religião, se caracterizando pelo aspecto carismático do mago, este que, por exemplo, pode para seus fieis prever a chuva e outros fenômenos naturais sobressaindo assim em seu grupo, alem de orientar os rituais e ser um intermediário entre os homens e os deuses. Não diferente do que foi Jesus em sua forma mágica e carismática, como intermediário entre Deus e os homens, porem Jesus não era um mago, e sim um profeta. Outros aspectos que veremos a seguir.
As religiões que conhecemos hoje como a católica, a judaica, a protestante e outras, se devem à institucionalização deste carisma, elas passam do profeta para a religião que os engloba.
Surge desta maneira, com a função de ordenar essas religiões, os sacerdotes, que as tornam algo tradicional e não mais carismáticas, voltados desta maneira para uma racionalidade. Na religião católica temos o exemplo de Jesus (carismático) que a partir de seu apostolo Pedro burocratizou esse carisma em uma instituição. Mas o aspecto mágico não desaparece, muito pelo contrario, as religiões necessitam dele. Como diz o autor, “não há sacerdócio sem culto, mas sim culto sem sacerdócio” (p.295) [2].
Estas religiões serão de fundamental importância, tanto para a dotação de sentido para a vida, quanto para o ordenamento do mundo, existindo toda uma maneira de conduta, direitos e deveres, que nascem junto com elas. Estas condutas são seguidas especialmente por uma causa, a salvação.
Novamente podemos fazer uma relação com os três elementos principais analisados até aqui:
>>> O profeta: como características a inovação e o carisma.
>>> O sacerdote: como característica a permanência e a conservação deste carisma (uma burocratização deste mesmo)
>>>Os fieis: como característica a sua demanda por sentido e salvação.
A salvação é assim um dos principais e mais importantes pontos para se compreender a o surgimento do capitalismo através da ética protestante, esta ultima analisada no livro A ética protestante e o “espírito” do capitalismo.
O espírito do capitalismo, segundo o próprio Weber, se refere a um racionalismo, um novo modo de agir e de pensar responsável, uma conduta de vida levada por uma cultura. Cultura racionalista esta que se desenvolveu principalmente nos paises de cunho protestante.
Este mesmo racionalismo se caracteriza pelo desencantamento do mundo e desmistificação do mesmo, originando uma irracionalidade pela busca incessante do lucro.
Weber observa que de modo geral os católicos possuem empregos menos qualificados que os protestantes, os primeiros tornando-se mestres artesões, os segundos ocupando cargos qualificados e postos administrativos
As diferenças de conduta de vida dos católicos diferenciando dos protestantes podem ser representadas com o seguinte parágrafo:
“O católico é mais sossegado; dotado de menor impulso aquisitivo, prefere um traçado de vida o mais possível seguro, mesmo que com rendimentos menores, a uma vida arriscada e agitada que eventualmente lhe trouxesse honras e riquezas. Diz por gracejo a voz do povo: ‘bem comer ou bem dormir, há que escolher’. No presente caso o protestante prefere comer bem, enquanto o católico quer dormir sossegado.” (p.34) [3].
Estas diferenças se devem basicamente na crença da salvação. Enquanto o católico leva a vida no pecado, arrependimento, penitência, alívio e, de novo o pecado, o protestante em sua crença de predestinação vive constantemente em uma auto-inspeção. Essa crença na predestinação leva o individuo a uma “solidão interior” e no qual, para procurar agradar a Deus ele procura a todo o momento se bem suceder na vida. Sua riqueza não será sua e sim a riqueza de Deus, para Deus.
Sua vocação se torna uma missão dada por Deus para cumprir seus deveres intra-mundanos. A sua riqueza é assim reprovada quando esta traz com sigo o ócio. Não se deve segundo esta ética, haver um descanso sobre a posse, e sim trabalhar constantemente em prol de Deus.
“O ‘descanso eterno dos santos’, está no outro mundo; na terra o ser humano tem mais é que buscar a certeza do seu estado de graça, ‘ levando a efeito enquanto for dia, as obras daquele que o enviou’. Ócio e prazer, não; só serve a ação, o agir conforme a vontade de Deus inequivocadamente revelada a fim de aumentar sua glória” (p.143) [4].
Assim aquele que rejeita sua vocação ou que possui uma falta de vontade de trabalhar está possivelmente condenado. Quanto maior lucro durante a vida mais indícios que será salvo, por isso a busca pela acessão social. Diferente assim do catolicismo que sua salvação pode ser concedida pelo arrependimento, o protestantismo deve ser a busca incessante durante toda a vida por uma conduta fiel a Deus.
Dois fatores podem ser considerados como “adversários” desta ética protestante, entre eles o tradicionalismo e o gozo instintivo da vida.
O tradicionalismo se caracteriza pelo o ganho de uma vida simples, sem a ambição de grandes lucros e investimentos, uma forma tradicional de fazer negócios, semelhante à vida tradicional dos católicos.
Já o combatido gozo instintivo da vida,
“que em igual medida afasta do trabalho profissional e da devoção era, exatamente enquanto tal, o inimigo da ascese racional, quer se apresentasse na forma ele de esporte ‘grã-fino’ ou, da parte do homem comum, como freqüência a salões de bailes e tabernas.”(p.152)[5].
Assim a luxuria era algo fortemente condenável, não escapando nem mesmo os esportes, mencionando os esportes finos, nada que leve ao “gozo descontrolado” do individuo era aceitável, pois poderia levar a um desvio da vida ascética baseada como vimos no trabalho.
“A ascese protestante intramundana (para resumi o que foi dito até aqui) agiu dessa forma, com toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo, especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito psicológico de liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as cadeias que cercavam a ambição do lucro, não só ao legalizá-lo, mas também ao encará-lo (no sentido descrito) como diferentemente querido por Deus.” (p.155) [6].
Podemos dizer que o protestantismo é a mãe do mundo moderno que morre após o parto, devido a este originar o capitalismo que, maduro, transforma novamente a conduta das vidas das pessoas. Aqui é o ponto no qual queria chegar.
O capitalismo que surgiu com forte influencia da ética protestante, intervindo nas outras esferas e instituições como a jurídica, a política, a família, e toda a vida do mundo moderno. Modificando-a principalmente, no que diz respeito ao principal ponto de seu surgimento, a vida ascética, ou seja, o seu cordão umbilical.
O capitalismo hoje ganhou uma outra concepção, se desfazendo como disse da ética protestante, mas não por completo, as normas continuam: acordar cedo, ser pontual no trabalho, buscar o lucro... mas com outras perspectivas. O mercado exige outras maneiras para se suceder nos negócios, a concorrência muda e o mercado se torna mais dinâmico. Os artigos de luxo, por exemplo, é um aspecto a analisar, condenado pela ética protestante, o luxo é um grande instrumento do capitalismo, incitando ao consumo desnecessário e conduzindo o individuo não a enriquecer em prol de Deus, mas sim, em poder ter condições de comprar aquele produto. Neste aspecto muito semelhante à teoria da alienação de Marx no que se refere à alienação homem versus objeto.
As grandes vitrines de Paris, observado por Walter Bemjamim, na qual o vidro invisível separa o produto do homem que o deseja, as concepções de beleza, e o mercado cada vez mais “selvagem” na pior das intenções, que separa as almas dos corpos, aqueles que produzem tecnologia e aqueles que apenas utilizam da força bruta, os que provem de família com capital cultural e os que são completamente pobres e sem possibilidade de ascensão social. A luxuria e a pobreza.
Outras questões são os jogos, os patrocínios nos mesmos, programas de TV sensacionalistas e a mídia em massa (mass media) que apresenta os produtos no qual já me referi, colocando como aquele (a) que possui um bom carro, aquele (a) que tem uma (um) companheira (o) bonita (o), uma casa confortável entre outros, sendo visto como um homem ou mulher virtuoso (a) e vitorioso (a), independente ou não se ele ou ela segue uma vida regulada, pois como disse a questão da salvação não está mais em primeiro plano, e sim, a sociedade de consumo, ser bem visto nela.
Compre, experimente, cadastre-se, use e abuse, são algumas das novas “éticas do capitalismo” moderno, dispensando aquelas anteriores. Trazendo infelicidade para muitos que não podem alcançá-las, e felicidades para os poucos que estão confortavelmente inseridos neste sistema. O profeta de hoje é aquele que tem visões e ambições no mercado, e no quais suas idéias são inseridas e registradas no mesmo (em analogia a burocratização dos profetas).
Fatos estes do capitalismo. E no que se refere à conduta para o ócio e o prazer, estes não foram previstos por Weber da maneira como a encontramos, alem do mais o “avanço” que obtivemos com as tecnologias e as novas relações de trabalho não possibilitariam tal previsibilidade, alem do mais, sociologia não é “futurologia”. Mas ainda assim suas analises sem dúvidas continuaram a ajudar na compreensão de nossa sociedade, assim como todos os grandes autores que prevalecem sempre contemporâneos.
Eustáquio de Carvalho Sant´Ana
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