sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Casa Grande e Senzala

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

POLÍTICA IV

DATA: 01/02/2007

Autor: Eustáquio de Carvalho Sant´Ana

Análise do livro Casa-grande & senzala de Gilberto Freyre.

Freyre, Gilberto. CASA-GRANDE & SENZALA: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50.ed. São Paulo: Global, 2005.

O livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freire, é um grande marco para a literatura e a academia brasileira. Relata quase que como em um romance, mas sem deixar passar por uma analise rigorosa, os fatos de uma época formadora da identidade brasileira. A embarcar em sua “aventura do exílio”, a Bahia e depois a Portugal, o autor recolhe dados e informações sobre a nossa formação cultural, iniciando assim uma das obras indispensáveis a qualquer um que deseja estudar nossa formação cultural, política e social e compreender o que significa ser brasileiro. Alem de grande auxilio para uma compreensão de nossa sociedade, ele é permanece, como todo o grande clássico, contemporâneo.

A partir do primeiro capitulo, Características gerais da colonização portuguesa no Brasil: formação da sociedade agrária, escravocrata e hibrida, é possível perceber as relações dicotômicas tratadas, na qual o autor se refere como um “processo de equilíbrio de antagonismo” (p.116), como por exemplo,

“o antagonismo de economia e de cultura. A cultura européia e a indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o paria. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando entre todos os antagonismos o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo”. (p.116).

Deste ultimo antagonismo, senhor e escravo, podemos perceber o titulo do livro, e a partir destes antagonismos o autor busca a compreensão de como eles se equilibram e se desenvolvem naquela sociedade. Passando assim a relatar suas relações, comportamentos, influencias que se desenrolarão nos outros capítulos.

Ao relatar a sensualidade da índia, os fatos de como os portugueses as desejavam devido a sua nudez e o despertar de fantasias, o autor caminha para outros pontos como, por exemplo, a preferência da mulher branca para o casamento e a mulata para se satisfazer sexualmente. Em suas próprias palavras: “Com relação ao Brasil, que diga o ditado: Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar” (p.72). Nem mesmo o padrão de beleza da mulher daquela época, influenciou nas constantes relações dos portugueses com as índias. Alem de estas mulheres pertencerem somente à alta classe não havia muitas no Brasil, possibilitando ainda mais o grande fator que auxiliou como uma ferramenta os portugueses em sua conquista: a mestiçagem. Primeiro com índias, depois incluiu as negras, formando o caboclo e a expansão da população. Os próprios padres, dizia o autor, “precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne” (p.161).

A mestiçagem é um dos temas chaves no livro, assim como o poder patriarcal e a escravidão. A formação de uma população cabocla resistente aos intempéries do tropico possibilitou a formação de uma nova sociedade, um elemento chave na conquista do trópico. Os portugueses se reproduziam rapidamente nesta terra, antes da chegada das negras, as índias foram os objetos de seu desejo.

Como relata o autor, a carência do português por meses navegando em auto mar se depara com a nudez da índia, seus banhos nos rios e a caracterização da ninfa desperta ainda mais o desejo do português. São facilmente “subornadas” por pequenos objetos como espelhos pentes e outros devido a sua vaidade, se entregando de “pernas abertas” nas palavras do autor. Além destes fatos outro fator que ajudou na reprodução foi o fato das tribos serem poligâmicas. As mulheres índias formaram assim base da família brasileira pela falta da mulher branca.

Com a vinda dos negros para o trabalho nos grandes latifúndios as negras passam a ser outro desejo sexual dos homens. Habitando a senzala e a Casa-Grande ela está mais perto do senhor de engenho, fazendo com que este muitas vezes tenha relações com ela. Isso provoca um grande ciúme em sua esposa, que muitas vezes manda arrancar os dentes das negras bonitas.

As negras tiveram grande participação na vida na casa-grande, muitas vezes amamentavam os futuros senhores de engenho, estes que passavam a maior parte de sua infância brincando entre os outros garotos filhos de escravos e que aprendia desde cedo a praticar maldades com os negros.

A partir do momento em que o garoto, filho do senhor se vestir como tal, e receber a educação que lhe espera, ele passará naturalmente a se diferenciar das outras crianças. Quanto a sua vida sexual, esses meninos iniciam-na também com as negras das senzalas, segundo o autor com aproximadamente 13 anos.

A violência com a negra foi muito analisada pelo autor. Objeto dos desejos sexuais dos homens, do menino adolescente ao senhor de engenho, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais variados, como disse, muitas vezes pelo ciúme. Ela cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família, a senhora.

Ao analisar a vida sexual neste período, o autor observa a grande moléstia que atingia grande parte da população sexualmente ativa, a sífilis. Uma doença que desembarca nas terras brasileiras, trazida pelos europeus. Primeiramente contaminando as índias, depois as negras, e desta maneira toda uma população. O relaxamento quanto a esta doença custou muitas vidas, segundo o autor, a doença causava dez morte em para cada mil habitantes. Como é característico da leitura, o autor nos menciona a crença existente entre os homens de que para curar a sífilis era necessário se relacionar com uma negra virgem.

Muitos aspectos dos índios e negros influenciaram fortemente na nossa formação cultural. O banho, por exemplo, é um deles. As índias eram vistas frequentemente nos rios se banhando até dez vezes durante o dia, enquanto os europeus eram sujos e repulsivos. A culinária foi outra forte influência. Pelos negros temos entre outros a feijoada, muitas vezes eram alimentos que vinham da sobra da casa-grande. E dos índios conhecemos o milho, o caju, mingau e a farinha de mandioca, grande base da alimentação colonial.

Quanto à questão alimentícia na colônia, Gilberto Freyre relata a falta de alimentos nas cidades, muitas vezes tendo que ir buscar nas casas dos mais ricos. Muitas especiarias eram importadas de Portugal, como azeitonas, pimenta e outras. A alimentação era “má nos engenhos e péssima nas cidades” (p.102). Estes fatores se devem, sobretudo, a uma atenção maior a monocultora, como a cana-de-açúcar, impossibilitando tempo aos cuidados na plantação de cereais e legumes.

Estes mesmos aspectos referentes à alimentação se assemelham a observação de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Os dois autores se referem à dominação do campo sobre a cidade principalmente pelas questões econômicas e alimentícias, tendo toda a sociedade assim voltada para as monoculturas. Outra questão colocada pelos dois é quanto à dificuldade de iniciar o plantio nas terras coloniais, de dominar as férteis terras, pelo fato do clima tropical e das intempéries referente ao solo e rios que não se encontrava na Europa.

Ainda quanto à alimentação, o Freyre refere-se ao negro como “protegido” na casa-grande, pois este recebia alimentos sobre a responsabilidade do senhor de engenho, mesmo sendo muitas vezes precário, eles eram transformados em ricos nutrientes na sua dieta. Com a abolição da escravatura, por sua vez, os negros passaram a buscar seu próprio sustento pelo trabalho, muitas vezes recebendo muito pouco e caindo a qualidade de sua alimentação. O que de maneira alguma poderia justificar por sua vez a escravidão. As torturas que sofriam a submissão ao trabalho árduo e pesado, a possessão sexual das negras, e a falta de liberdade em si traziam grandes dificuldades as suas vidas.

As cantorias dos negros quebravam o silencio da casa-grande, e a liberdade religiosa concedida pelo senhor de engenho permitiu no Brasil a propagação das religiões afro-descendentes como o candomblé. A autoridade do senhor quanto à religião se caracteriza nas pequenas igrejas construídas perto da casa-grande e em seu mando, sendo assim, o senhor de engenho, o poder local. Usando da força e da violência para legitimar seu poder. Com respeito às igrejas, foram estas através dos jesuítas, que partiam para a catequização dos índios.

A família patriarcal, latifundiária, será assim, pela visão do autor, base e a origem da formação social brasileira.

No capitulo dois, O indígena na formação da família brasileira, o autor retoma o tema dos índios, descrevendo sua importância para a conquista portuguesa nos trópicos. Os portugueses não conseguiram escravizar os índios, tanto pelo fator de serem nômades quanto pelo fato do trabalho em sua tribo ser realizado pelas mulheres, sendo eles na maioria caçadores. Podemos avaliar também que, diferente dos negros, que eram deslocados de outras terras, os índios conheciam bem as terras e suas “armadilhas” podendo sobreviver em uma fuga, sendo de difícil domínio português.

Por outro lado, quando aliados, os índios foram muito úteis na defesa do território colonial e das regiões açucareiras, e junto com eles os mestiços. De fato este contato provoca um desequilíbrio no modo de viver do índio e sua relação com a natureza.

Em Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995) há também uma interessante questão sobre o índio e o negro. O primeiro caracterizado pela sua ociosidade, pelo o gosto da caça e não da plantação, se assemelhando à nobreza, e é assim exaltado pelos romancistas posteriormente como possuidores das virtudes dos antigos cavaleiros e fidalgos, já os negros foram colocados apenas como submissos e rebeldes.

A mulher indígena teve um grande papel na vida colonial, possibilitaram como já foi dito a mestiçagem, constituindo a população colonial mestiça. As índias suprimiram devido à falta de mulher branca, os desejos dos portugueses.

O autor analisa as matanças que ocorriam dos índios, estas muitas vezes feitas pelos portugueses e mamelucos a mando dos plantadores de açúcar, mas não seria pior se não fossem considerados em determinados casos hereges e bugres.

Como o autor enfatiza, alem da culinária “vários são os complexos característicos da moderna cultura brasileira, de origem pura ou nitidamente ameríndia: o da rede, o da mandioca, o do banho de rio, o do caju, o do ‘bicho’, o da ‘coivara’, o da ‘igara’ (...) Isso sem falar no tabaco e na bola de borracha.” (p.232).

No capitulo três, O colonizador português: antecedentes e predisposições, é retomado a alguns pontos como a miscigenação, e a eficaz conquista dos portugueses as terras brasileiras. Quanto à escravidão dos negros, o autor defende que foi o colonizador “europeus que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores” (p.265). O autor com sua escrita particular descreve: “(...)só faltou transportar da África para a América, em navios imundos, que de longe se adivinhavam pela inhaca, a população inteira de negros(...)”(p.265). Negros esses que influenciaram diretamente, assim como os índios, em nossa formação cultural como já citado.

Outro ponto foi a luta dos cristãos contra os infiéis (bugres e hereges) que causou segundo o autor a união de forças antagônicas, como o jesuíta e o senhor de engenhos, paulistas e baianos. Permitindo assim uma aproximação na esfera política da colônia de pólos opostos, uma unificação política e social que não seria possível sem o combate à heresia. Forma-se assim uma hegemonia política.

É observada ainda a miscigenação do povo português. Com influencias vindas da África, depois com influencias mouras e árabes. Portugal se constituiu por uma mesclagem destes povos. No lado econômico não foi diferente, os vários casamentos permitiram uma regular distribuição de renda. Um povo que de suas origens sofre a miscigenação, passa a conquistar outras terras, em especial o Brasil, com a mesma ferramenta.

A coroa na conquista destas terras deixou tudo de inicio nas mãos de particulares para se isentar de gastos. Mas não foi só financeiramente que a coroa se afastou da colônia, todas as questões judiciais e de defesa do território ficaram por conta dos grandes senhores de engenho. Com todo esse poder os senhores se tornaram verdadeiros reis. Reis estes que formaram, como foi dito, a origem da sociedade brasileira. Somente depois a coroa foi perceber a rentabilidade que a colônia poderia oferecer, em especial com o engenho de açúcar.

Portugal se viu na necessidade de mão-de-obra para povoar as colônias. A igreja incentivou vários tipos de casamentos e como o autor relata a ajuda de santos não foram poucas. Um grande resquício que permanece forte em nossa cultura em nossa cultura: a fé nos santos. Um Brasil formado pela mistura cultural entre portugueses, índios e negros.

Já as trocas culturais com os índios foram muito valorativas para a permanência na terra. Questões como a já mencionada higiene, tanto pessoal quanto a referente à habitação foi de grande auxilio para evitar doenças. E quando estas existiam os curandeiros indígenas eram de grande ajuda, e até os jesuítas que impunha o catolicismo e declarava guerra contra esses métodos utilizavam de seus conhecimentos.

Nos últimos dois últimos capítulos, O escravo negro na vida sexual do brasileiro, o autor nos mostra com grande clareza a participação dos negros na nossa formação, suas influencias e vários fatos que nos fazem compreender a sua vida.

Um parágrafo formidável pode representar um pouco do capitulo. Desde moleque o filho do senhor convive com os negros, e essa convivência, assim como em nosso sangue (mestiçagem), demonstra nossas raízes:

“Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciavam nossos sentidos, na musica, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influencia negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras historias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo.”

Um ponto colocado se refere a observar a tese do caráter eugênico, no qual o senhor escolhia as melhores escravas para se relacionar, as mais sadias e as mais bonitas. Não diferente ocorreu com os padres, formando eventualmente uma elite mulata, saudável.

O autor também trata de outras questões gerais como a seriedade dos meninos nas colônias, sempre sérios e com pouca infância, a rigorosa educação dos padres jesuítas para com as crianças influenciando diretamente na formação cultural do país, os trajes europeus que não se adaptaram ao clima nacional.

Até aqui vimos o menino, filho do senhor, quanto a sua iniciação sexual com as negras, sua infância com meninos negros, mas não nos referimos ainda quanto à educação das meninas. Estas eram criadas em ambientes patriarcais sobre grande tirania dos pais, esta que depois era substituída pela tirania dos maridos. Eram poucas as liberdades que tinham, “a esta negou-se tudo que de leve parecesse independência. Até levantar a voz na presença dos mais velhos.” (p. 501) Resquícios que se propagou em uma sociedade machista como a de hoje.

A culinária, a formação na infância, a passagem para a vida adulta, os adultérios, a mão-de-obra, tudo isso fizeram do negro uma grande importância como já observada na formação de nossa cultura. Com os índios aprendemos sobre os intempéries da terra, a higiene, noções de cura, e também foi grande importância no auxilio para a defesa do território e na formação do povo brasileiro junto com os negros.

Com grande criatividade o autor nos possibilitou viajar pelo o Brasil colonial e perceber as dificuldades da conquista deste território e nele o poder que era vigente, o patriarcal. Uma visão panorâmica partida da casa-grade e da senzala.

Gilberto Freyre analisa assim este período colonial e as relações de poder pelo ponto de vista patriarcal, as diversas organizações familiares existentes. Outros autores como o já citado Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro buscam compreender este período pelo ponto de vista do “Estado”, a relação entre a colônia e Portugal, ou seja, outras relações de poder.

Casa-grade e senzala nos permite compreender assim nossa formação cultural, nossas grandes influencias de negros, índios e portugueses. Resquícios que podemos compreender com essa leitura. Alem é claro da avaliação política daquela época, e a nossa formação devido a ela.

Hoje reconhecemos as grandes casas-grandes (elite) e as inúmeras senzalas (favelas) espalhadas pelo nosso país. Condições de trabalhos que são ou se aproximam de serem escravos.

A educação também como a vista Freyre, que transforma a vida do menino em senhor, também em nossa época ela existe, traz grandes oportunidades ao individuo. Mas alem da educação, a acessão social depende de outros fatores como ser ou conhecer pessoas da “casa-grande”. Assim essa obra nos permite pensar a sociedade atual, tanto no auxilio de sua compreensão como na reprodução da estrutura de um sistema existente.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Cidade moderna, um paradoxo social.


UFJF- Ciências Sociais

Autor: Eustáquio de C. Sant’Ana

31/05/05

Cidade moderna, um paradoxo social.

Procurarei demonstrar neste texto as primeiras visões contemporâneas sobre a cidade, a partir da industrialização e da obtenção de novas tecnologias. Os pontos de vistas diferentes, as desigualdades produzidas pela “instalação” do capitalismo, estas que sempre existiram porem agora de outra forma, levando a um conflito de classes e formações de diferentes ideologias, cada qual com seus diferentes interesses. Procurarei também comparar os textos com os dias de hoje, pois são obras que não perdem seus valores com o passar do tempo.

O que é uma cidade moderna? Certamente F. Engels não concorda que a industria traz a modernidade, uma vez que traz desigualdades sociais tão grandes como a descrita em sua obra Manchester. Engels procura ser realista, porém ele mesmo não consegue descrever com palavras à realidade, de tão grande miséria que encontra, pessoas vivendo como em um chiqueiro, sujas e com fome. Tudo isto ocultado pelas fachadas, embaçando os olhos da burguesia. Pode-se observar que a situação em que vivem os trabalhadores pobres de Manchester assim como os de outras cidades industriais, levam a uma impossibilidade de mobilidade social, uma vez que não tem condição de entrar o mercado. Por vários fatores como escolaridade, aparência (os bairros mais pobres não tinham água limpa e canalização, logo sem condições de haver higiene) e outros. O trabalhador colocado ao acaso passa a viver de esmola, do roubo ou simplesmente morre de fome. Ai esta um grande problema das grandes cidades de hoje, desemprego que leva a violência, as favelas como os bairros pobres de Manchester, e os trabalhadores (não todos) sem opções sendo acolhidos pelo tráfico de drogas.

A ofuscação dos olhos da burguesia passa a ser diferente quando a miséria e a violência a atingem, um exemplo disto é colocado no texto de Eric Hobsbawn em: A era das revoluções, Os trabalhadores pobres (décimo primeiro capitulo), em que as condições de vidas dos trabalhadores geraram uma epidemia de cólera, tifo e febre recurrente. Levando a burguesia a tomar atitudes como a limpeza dos bairros e afastando os trabalhadores pobres para periferia. Um dos pontos colocados no texto é as opções dos trabalhadores pobres: A fuga, seja pelo alcoolismo, prostituição, suicídio, religião, criminalidade, demência. A ascensão, o que já disse não ser possível aos trabalhadores devido a suas condições de vida. E a rebelião.

Os descasos com os trabalhadores, muitos morrendo de fome, os salários que abaixavam cada vez mais, a instabilidade do emprego, o trabalho a que eram expostos, tudo isso fez com que eles se organizassem a fim de buscar melhores condições de vida, formando assim o movimento trabalhista, atrás de respeito, reconhecimento e igualdade.

A maior força do trabalhador foi e é hoje sem duvida a sua união, tanto em comunidade, ajudando uns aos outros reciprocamente, quanto nas questões trabalhistas. A greve sua maior arma, com a mobilização da linha de produção o burguês não tem outra saída a não ser negociar, e foram estas negociações que levaram as formações de varias leis, como por exemplo, a citada na obra de Marx e Engels: Manifesto do Partido Comunista, em que Engels comemora a fixação da jornada de 8 horas de trabalho. É importante observar assim como Engels e Marx colocam que o capitalismo não tem fronteiras, universalizando tudo que pode (a produção intelectual e material), surgindo uma literatura universal, ou seja, reunindo tudo ao seu redor, hoje se observa isso com impressionante nitidez, a globalização, por exemplo, em que a televisão e a internet aproximam pessoas, mercados (com produtos desnecessários e tecnologicamente avançados), culturas de diferentes partes do mundo e de diferentes línguas, e ao mesmo tempo escapam da imprensa (como as fachadas de Manchester) a imensa pobreza que rodeia o mundo, ou aparecem como forma de sensacionalismo, de qualquer forma com interesse de audiência.

Para Marx e Engels os burgueses são aqueles que dirigem o Estado, “o governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Hoje temos como exemplo o Império americano com as suas industrias petrolíferas que “controlam” várias regiões do mundo sobre a sua bandeira, as grandes disputas comerciais e os boicotes econômicos.

Certamente uma conversa entre Aristóteles com Marx e Engels sairia uma boa discussão, enquanto que para Aristóteles Democracia é uma forma pervertida de governo, pois só visa a atenção para a classe pobre deixando de lado a dos ricos, e dizendo que a melhor forma de governo é uma mescla entre oligarquia e democracia, que deveria haver propriedade para os ricos e liberdade para os pobres. Marx e Engels deveriam achar esta colocação um absurdo se observada a exploração dos trabalhadores de sua época e a incompleta falta de liberdade. A única solução para eles era a tomada do poder uma vez que toda a história tem sido a história de lutas de classes.

Pontos de vistas diferentes formaram ideologias diferentes, assim como no texto de Eric Hobsbawn: A era das revoluções, A ideologia secular (décimo terceiro capitulo), em que a ideologia religiosa sai de foco e entra o racionalismo, como por exemplo, no Iluminismo para entender as coisas através da história, buscando sempre uma razão. O Liberalismo clássico que acreditava que o avanço da sociedade era no capitalismo, “o progresso da produção de mãos dadas com o progresso das artes, da ciência”. Estes certamente descartaram as explorações dos trabalhadores, e a alienação que esta produção traria. Por fim surgiu o Socialismo, “a razão a ciência e o progresso eram suas bases firmes”. Para o socialismo era necessário derrubar os capitalistas para que a exploração sobre os trabalhadores fosse eliminada, entregando assim a liberdade a eles. Karl Marx foi “herdeiro” da filosofia alemã, dizia que a ideologia era uma falsa consciência no inicio de seus estudos, depois uma ideologia para ele era uma visão de mundo diferente. Classes diferentes, visões de mundo diferentes. Hoje a televisão tornou a massa muito mais alienada, a pessoa chega do trabalho depois de um dia estressante, e se “hipnotiza” com diversas propagandas, telenovelas e outros, que mudam sua maneira de ver as coisas e de interpreta-las.

Procurando ver de “maneira positiva” as diferenças sociais que existem na cidade Walter Benjamin em seu texto: Paris, capital do século XIX, o autor coloca o avanço da tecnologia na utilização do dia-a-dia, as construções de galerias, ferrovias, o surgimento da fotografia e a industria da diversão (que causava uma grande alienação), os Saint-Simonianos não conseguiram prever porem as lutas de classes, só enxergavam a evolução da economia mundial. Todos estes avanços tecnológicos não puderam ser usufruídos por todos, os pobres não iam ate a galeria, os trens de viagem eram e ainda são separados por classes. Toda linha produção fez com que objetos fossem produzidos igualmente, fazendo com que as pessoas se vestissem iguais, tivessem carros iguais, e os produtos diferentes eram e ainda são os mais caros, não só materialmente, mas intelectualmente, os pensamentos não se diferem uns dos outros, as pessoas mais alienadas passam a pensar igual também.

Na cidade encontram-se cada vez mais pessoas, mas ficamos cada vez mais sozinhos, muito se refugiam na internet, conversando com pessoas que nunca viram do outro lado do mundo, e nem dão bom dia ao visinho. Não só conversando, mas também se trancando em casa, saindo cada vez menos, fugindo da violência causada pelo desemprego e o descaso da burguesia para com trabalhadores pobres.

Certamente as condições daquele tempo não se diferem das condições de hoje, ao menos pelo fato de que leis trabalhistas foram criadas, o que não garante que continue existindo escravidão em fábricas de diversas cidades, em diversas fazendas. Vários trabalhadores não sabem dos seus direitos, muitas vezes trabalhando ilegalmente e vendo que tem milhões de outros esperando uma vaga, muitos aceitam um emprego sobre quaisquer condições, pois passa necessidades, vêem sua família passando fome e qualquer coisa que surgir já é “uma benção”. A cidade moderna com toda a evolução tecnológica foi e ainda é um paradoxo, com toda a sua desigualdade.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Análise do filme: Círculo de fogo.


UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
METODOLOGIA E TÉCNICA DE PESQUISA II
Prof. Dr. Gilberto Barbosa Salgado
Data: 06/11/06
Autor: Eustáquio de Carvalho Sant´Ana
Análise do filme: Círculo de fogo.

“O homem é lobo do próprio homem” (Hobbes). Esta frase pode se resumir bem no filme “Circulo de fogo”. Ele inicia com um garoto, Vassili, o personagem principal ainda criança caçando lobos com seu avô que lhe ensina as habilidades da caça.
Quando adulto é enviado a guerra, Stalingrado, como simples soldado. Stalingrado é um ponto estratégico importantíssimo na guerra na qual a Rússia tenta a todo o custo defende-la do ataque nazista que já dominara boa parte da Europa. A região ao Leste com os campos petrolíferos do Cáucaso é um fundamental ponto estratégico da guerra, além das próprias industrias militares da cidade.
Segundo o filme, os Russos não conseguem conter o avanço nazista. Os soldados são desprovidos de esperança e obrigados a lutar, pois, se recuarem, são mortos pelos próprios oficiais sendo considerados covardes, se avançarem, da maneira como é imposta, são metralhados pelas trincheiras Nazistas. Então em uma destes avanços em que inúmeros soldados morrem, Vassili sobrevive e se finge de morto entre os vários corpos estendidos pelo campo, encontrando seu futuro comparsa, Danilov, um escritor, soldado político e comissário que suicidamente se aventura a fazer com que seus escritos cheguem aos Nazistas como uma propaganda de guerra. Danilov se admira quando Vassili pega um rifle e mata cinco oficiais nazistas com grande precisão.
A partir daí Vassili é o novo herói soviético, este descoberto por Danilov, que na troca de general aponta a este herói como o novo meio de renovar o “espírito” soviético. Era o que o exército precisava para dar coragem aos seus homens e aumentar a moral deles sustentando a guerra. Danilov e Vassili são promovidos, o primeiro um poeta no qual trabalhava para o marketing da guerra russo, um homem mergulhado em seus ideais socialistas, o segundo, um atirador de origem pobre que com poucas instruções sonhava em ser dono de uma fábrica.
Ambos estariam prestes a disputar o coração de uma jovem moça, Tânia. Eles a encontram em uma casa, ela fazia parte de uma resistência de moradores da cidade, uma moça que estudou na Universidade de Moscou e que também está a lutar pelos seus ideais, tendo aprendido a atirar com seu pai que já previa guerra, e no meio do trama foi morto por nazistas junto com sua mãe.
Vassili então se torna com a ajuda do marketing da guerra uma figura que desmoraliza os soldados nazistas, dificultando seu avanço. Marketing este tanto usado pelos nazistas durante a guerra. Hitler foi um dos primeiros a perceber o poder da propaganda vinculada aos meios de comunicação. Mexendo com o espírito alemão com a grandiosidade e com os efeitos das grandes apresentações, dos grandes desfiles. Tudo isso levando a uma grande manobra de massas e entusiasmando os soldados alemães. Este tipo de estratégia é vista no filme contra os soviéticos logo de inicio. Um carro de som dizia ao povo soviético a se entregarem, que não havia saída, que o inimigo era Stalin.
Os russos usavam Vassili com este propósito, criar esperança e coragem aos soldados. Logo os nazistas chamam um de seus melhores atiradores, Major Konig, para matar Vassili. Os russos colocam um homem que conhecia Konig, o soldado Koulikov, para instruir Vassili nessa batalha pessoal. Koulikov havia sido torturado pelos os próprios soviéticos após voltar da Alemanha tido como espião, este desacreditava em qualquer ideal socialista. “Mais do que um confronto entre paises, isto é a essência da luta de classes” (dizia Danilov, pelo fato do contratado nazista ser um nobre caçador de veados e Vassili um pobre caçador de lobos).
Tânia se apaixona por Vassili e ajuda-o em um momento contra o atirador alemão, mas após ser ferida por uma granada volta a vê-lo apenas quando a guerra termina, 180 dias depois. Danilov percebendo o romance dos dois por um instante trai Vassili por ciúmes de Tânia, acusando-o de desertor, fato que não se repercutiu. Posteriormente pede desculpas no final se colocando a vista do atirador Konig, conseqüentemente dando a posição dele e permitindo com que Vassili termine a sua batalha matando-o.
Antes de morrer Danilov percebendo que nunca poderia ter o amor de Tânia e achando que ela tinha morrido no acidente que sofrerá, se sente culpado pelos fatos ocorridos. Danilov aos poucos se deixou envolver pelo poder a qual acendia, não conseguindo mais ver a sua verdadeira luta, quando viu o que estava fazendo com seu companheiro já era tarde, a cobiça pelo amor de Tânia e pelo poder já o tinha dominado. Alem do amor de Tânia, perde também todo o sentido de sua vida, sua ideologia e seus sonhos de uma sociedade justa e igualitária, dizendo nas seguintes palavras a Vassili:
“O homem sempre será homem. Não há um momento novo. Tentamos criar tanto uma sociedade que fosse igual, na qual não houvesse do que invejar do vizinho. Mas sempre há algo para dar inveja... um sorriso, uma amizade, algo que você não tem e que quer ter. Neste mundo, mesmo no soviético, sempre haverá ricos e pobres. O rico em dons, o pobre em dons. O rico no amor, o pobre no amor”.

Com essa reflexão voltamos a concepção da natureza decaída do homem, esta provocando a guerra com a completa destruição e as milhares de mortes. Como diz Hobbes: “o homem é lobo do próprio homem”. Vassili não mais caça lobos, mas seu inimigo, por uma causa que ele próprio de inicio desconhecia, mas que depois, a partir de seu envolvimento na guerra se tornou algo pessoal, defender seu amor e suas crenças. O desejo de ser reconhecido pelo próximo na busca incessante por poder, fazendo com que os homens se façam reconhecidos pelo o que eles possuem, e por este reconhecimento são capazes de lutar até a morte e de levar com sigo nações inteiras.
Ainda sobre a natureza humana, percebe-se, como o garoto, Sacha, ainda criança se vende por chocolates, e outras guloseimas ao Major Konig em troca de informações de Vassili. Deve-se observar que é apenas uma criança e na situação de guerra que se encontrava aquelas comidas era uma grande tentação para o garoto. Por sua vez, também ajudava o exército soviético contando as posições do Major. Em seguida, mostrando sua emoção quando achou que Vassili tinha morrido, Konig descobre o verdadeiro lado em que o garoto lutava e mata-o.
O filme mostra de maneira bem detalhada e real os fatos desta batalha, como os civis que tentavam evacuar a cidade, mas eram muitas vezes impedidos de atravessar o rio, e corpos que se encontrava por toda parte. Uma Carta recolhida de um oficial russo mostra bem as cenas reproduzidas no filme:
“ A enorme cidade, que se estende por 50 quilômetros ao longo do Volga, era um mar de chamas. Tudo em volta ardia e tombava. A tristeza e a morte invadiram milhares de residências em Stalingrado.
As tropas do 62.o e do 64.º exércitos recuavam para a sua derradeira posição, dentro da cidade. As estradas estavam coalhadas de refugiados. Camponeses das fazendas coletivas punham-se a caminho com a família e o gado, quando não portavam também os seus instrumentos agrícolas, convergindo para as barcas do Volga.
De vez em quando uma granada alemã caia no rio, mas este canhoneiro indiscriminado não era perigoso... À distancia, via-se o embarcadouro opinhado de gente. Quando chegamos mais perto, observamos a quantidade de feridos que era retirada de trincheiras, de crateras de bombas e de abrigos. Havia também muitas pessoas carregadas de trouxas e de maletas que se tinham abrigado das bombas e granadas. Ao verem a barca se aproximar todos correram para o embarcadouro, tendo em mente apenas o desejo de escapar, de passar para o outro lado do rio, para longe de suas casas destruídas, para longe da cidade que se transforma num inferno. Os olhares eram profundamente tristes e as lagrimas corriam pelas faces suadas e poeirentas, dando-lhes um aspecto desolador. As crianças tinham sede e fome, na choravam, gemiam e estendiam os bracinhos para a água do Volga.” (Alexander Werth, A Rússia na guerra, v.1, p.487-488.)

                 Um fato que se coloca no filme, mas não evidente, é a questão da diferenças de classes. Em dois momentos isto se torna evidente, o primeiro é quando o Major Konig, chega de trem, o trem para do lado do vagão de soldados feridos e colocados a dezenas que observavam o major em seu conforto lendo seu livro confortavelmente, quando percebe o vagão ao lado ele abaixa a cortina. Um outro ponto é quando os generais dão o comando para avançar e metralham aqueles que voltam, como mencionei estes tidos como covardes. Esta posição do general se assemelha a de vários séculos na qual apenas dão ordens e observam a batalha.
                    A batalha de Stalingrado terminou com a chegada do inverno russo, que mais uma vez os ajudou, relembrando a tentativa de invasão napoleônica na qual milhares de soldados morreram. O frio foi essencial a vitória soviética, e o despreparado do exercito nazista a ele, que já se enfraquecia por vários ataques do Oriente e do Ocidente, além da cansativa guerra de trincheiras que permitiu a vitória. Esta batalha terminou com a perda de grandes números de homens, tanques e aviões nazistas.
             Em várias guerras, imagino que quase todas as nações tenham seus heróis, alguns verdadeiros outros criados. Vassili se tornou um herói, e por momentos sabia que muitas vezes não era realmente aquilo que seu amigo dizia nos panfletos. Mas foi verdadeiro nas batalhas e encorajou e deu esperanças aos soldados soviéticos, sem querer ser propositalmente herói, o foi pelo destino e por suas habilidades. Por um momento ele fez a mídia, por outro a mídia o fez. Vassili foi condecorado várias vezes a ordem de Lênin, e se tornou um grande símbolo da vitória soviética.