sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Casa Grande e Senzala

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

POLÍTICA IV

DATA: 01/02/2007

Autor: Eustáquio de Carvalho Sant´Ana

Análise do livro Casa-grande & senzala de Gilberto Freyre.

Freyre, Gilberto. CASA-GRANDE & SENZALA: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50.ed. São Paulo: Global, 2005.

O livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freire, é um grande marco para a literatura e a academia brasileira. Relata quase que como em um romance, mas sem deixar passar por uma analise rigorosa, os fatos de uma época formadora da identidade brasileira. A embarcar em sua “aventura do exílio”, a Bahia e depois a Portugal, o autor recolhe dados e informações sobre a nossa formação cultural, iniciando assim uma das obras indispensáveis a qualquer um que deseja estudar nossa formação cultural, política e social e compreender o que significa ser brasileiro. Alem de grande auxilio para uma compreensão de nossa sociedade, ele é permanece, como todo o grande clássico, contemporâneo.

A partir do primeiro capitulo, Características gerais da colonização portuguesa no Brasil: formação da sociedade agrária, escravocrata e hibrida, é possível perceber as relações dicotômicas tratadas, na qual o autor se refere como um “processo de equilíbrio de antagonismo” (p.116), como por exemplo,

“o antagonismo de economia e de cultura. A cultura européia e a indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o paria. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando entre todos os antagonismos o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo”. (p.116).

Deste ultimo antagonismo, senhor e escravo, podemos perceber o titulo do livro, e a partir destes antagonismos o autor busca a compreensão de como eles se equilibram e se desenvolvem naquela sociedade. Passando assim a relatar suas relações, comportamentos, influencias que se desenrolarão nos outros capítulos.

Ao relatar a sensualidade da índia, os fatos de como os portugueses as desejavam devido a sua nudez e o despertar de fantasias, o autor caminha para outros pontos como, por exemplo, a preferência da mulher branca para o casamento e a mulata para se satisfazer sexualmente. Em suas próprias palavras: “Com relação ao Brasil, que diga o ditado: Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar” (p.72). Nem mesmo o padrão de beleza da mulher daquela época, influenciou nas constantes relações dos portugueses com as índias. Alem de estas mulheres pertencerem somente à alta classe não havia muitas no Brasil, possibilitando ainda mais o grande fator que auxiliou como uma ferramenta os portugueses em sua conquista: a mestiçagem. Primeiro com índias, depois incluiu as negras, formando o caboclo e a expansão da população. Os próprios padres, dizia o autor, “precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne” (p.161).

A mestiçagem é um dos temas chaves no livro, assim como o poder patriarcal e a escravidão. A formação de uma população cabocla resistente aos intempéries do tropico possibilitou a formação de uma nova sociedade, um elemento chave na conquista do trópico. Os portugueses se reproduziam rapidamente nesta terra, antes da chegada das negras, as índias foram os objetos de seu desejo.

Como relata o autor, a carência do português por meses navegando em auto mar se depara com a nudez da índia, seus banhos nos rios e a caracterização da ninfa desperta ainda mais o desejo do português. São facilmente “subornadas” por pequenos objetos como espelhos pentes e outros devido a sua vaidade, se entregando de “pernas abertas” nas palavras do autor. Além destes fatos outro fator que ajudou na reprodução foi o fato das tribos serem poligâmicas. As mulheres índias formaram assim base da família brasileira pela falta da mulher branca.

Com a vinda dos negros para o trabalho nos grandes latifúndios as negras passam a ser outro desejo sexual dos homens. Habitando a senzala e a Casa-Grande ela está mais perto do senhor de engenho, fazendo com que este muitas vezes tenha relações com ela. Isso provoca um grande ciúme em sua esposa, que muitas vezes manda arrancar os dentes das negras bonitas.

As negras tiveram grande participação na vida na casa-grande, muitas vezes amamentavam os futuros senhores de engenho, estes que passavam a maior parte de sua infância brincando entre os outros garotos filhos de escravos e que aprendia desde cedo a praticar maldades com os negros.

A partir do momento em que o garoto, filho do senhor se vestir como tal, e receber a educação que lhe espera, ele passará naturalmente a se diferenciar das outras crianças. Quanto a sua vida sexual, esses meninos iniciam-na também com as negras das senzalas, segundo o autor com aproximadamente 13 anos.

A violência com a negra foi muito analisada pelo autor. Objeto dos desejos sexuais dos homens, do menino adolescente ao senhor de engenho, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais variados, como disse, muitas vezes pelo ciúme. Ela cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família, a senhora.

Ao analisar a vida sexual neste período, o autor observa a grande moléstia que atingia grande parte da população sexualmente ativa, a sífilis. Uma doença que desembarca nas terras brasileiras, trazida pelos europeus. Primeiramente contaminando as índias, depois as negras, e desta maneira toda uma população. O relaxamento quanto a esta doença custou muitas vidas, segundo o autor, a doença causava dez morte em para cada mil habitantes. Como é característico da leitura, o autor nos menciona a crença existente entre os homens de que para curar a sífilis era necessário se relacionar com uma negra virgem.

Muitos aspectos dos índios e negros influenciaram fortemente na nossa formação cultural. O banho, por exemplo, é um deles. As índias eram vistas frequentemente nos rios se banhando até dez vezes durante o dia, enquanto os europeus eram sujos e repulsivos. A culinária foi outra forte influência. Pelos negros temos entre outros a feijoada, muitas vezes eram alimentos que vinham da sobra da casa-grande. E dos índios conhecemos o milho, o caju, mingau e a farinha de mandioca, grande base da alimentação colonial.

Quanto à questão alimentícia na colônia, Gilberto Freyre relata a falta de alimentos nas cidades, muitas vezes tendo que ir buscar nas casas dos mais ricos. Muitas especiarias eram importadas de Portugal, como azeitonas, pimenta e outras. A alimentação era “má nos engenhos e péssima nas cidades” (p.102). Estes fatores se devem, sobretudo, a uma atenção maior a monocultora, como a cana-de-açúcar, impossibilitando tempo aos cuidados na plantação de cereais e legumes.

Estes mesmos aspectos referentes à alimentação se assemelham a observação de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Os dois autores se referem à dominação do campo sobre a cidade principalmente pelas questões econômicas e alimentícias, tendo toda a sociedade assim voltada para as monoculturas. Outra questão colocada pelos dois é quanto à dificuldade de iniciar o plantio nas terras coloniais, de dominar as férteis terras, pelo fato do clima tropical e das intempéries referente ao solo e rios que não se encontrava na Europa.

Ainda quanto à alimentação, o Freyre refere-se ao negro como “protegido” na casa-grande, pois este recebia alimentos sobre a responsabilidade do senhor de engenho, mesmo sendo muitas vezes precário, eles eram transformados em ricos nutrientes na sua dieta. Com a abolição da escravatura, por sua vez, os negros passaram a buscar seu próprio sustento pelo trabalho, muitas vezes recebendo muito pouco e caindo a qualidade de sua alimentação. O que de maneira alguma poderia justificar por sua vez a escravidão. As torturas que sofriam a submissão ao trabalho árduo e pesado, a possessão sexual das negras, e a falta de liberdade em si traziam grandes dificuldades as suas vidas.

As cantorias dos negros quebravam o silencio da casa-grande, e a liberdade religiosa concedida pelo senhor de engenho permitiu no Brasil a propagação das religiões afro-descendentes como o candomblé. A autoridade do senhor quanto à religião se caracteriza nas pequenas igrejas construídas perto da casa-grande e em seu mando, sendo assim, o senhor de engenho, o poder local. Usando da força e da violência para legitimar seu poder. Com respeito às igrejas, foram estas através dos jesuítas, que partiam para a catequização dos índios.

A família patriarcal, latifundiária, será assim, pela visão do autor, base e a origem da formação social brasileira.

No capitulo dois, O indígena na formação da família brasileira, o autor retoma o tema dos índios, descrevendo sua importância para a conquista portuguesa nos trópicos. Os portugueses não conseguiram escravizar os índios, tanto pelo fator de serem nômades quanto pelo fato do trabalho em sua tribo ser realizado pelas mulheres, sendo eles na maioria caçadores. Podemos avaliar também que, diferente dos negros, que eram deslocados de outras terras, os índios conheciam bem as terras e suas “armadilhas” podendo sobreviver em uma fuga, sendo de difícil domínio português.

Por outro lado, quando aliados, os índios foram muito úteis na defesa do território colonial e das regiões açucareiras, e junto com eles os mestiços. De fato este contato provoca um desequilíbrio no modo de viver do índio e sua relação com a natureza.

Em Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995) há também uma interessante questão sobre o índio e o negro. O primeiro caracterizado pela sua ociosidade, pelo o gosto da caça e não da plantação, se assemelhando à nobreza, e é assim exaltado pelos romancistas posteriormente como possuidores das virtudes dos antigos cavaleiros e fidalgos, já os negros foram colocados apenas como submissos e rebeldes.

A mulher indígena teve um grande papel na vida colonial, possibilitaram como já foi dito a mestiçagem, constituindo a população colonial mestiça. As índias suprimiram devido à falta de mulher branca, os desejos dos portugueses.

O autor analisa as matanças que ocorriam dos índios, estas muitas vezes feitas pelos portugueses e mamelucos a mando dos plantadores de açúcar, mas não seria pior se não fossem considerados em determinados casos hereges e bugres.

Como o autor enfatiza, alem da culinária “vários são os complexos característicos da moderna cultura brasileira, de origem pura ou nitidamente ameríndia: o da rede, o da mandioca, o do banho de rio, o do caju, o do ‘bicho’, o da ‘coivara’, o da ‘igara’ (...) Isso sem falar no tabaco e na bola de borracha.” (p.232).

No capitulo três, O colonizador português: antecedentes e predisposições, é retomado a alguns pontos como a miscigenação, e a eficaz conquista dos portugueses as terras brasileiras. Quanto à escravidão dos negros, o autor defende que foi o colonizador “europeus que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores” (p.265). O autor com sua escrita particular descreve: “(...)só faltou transportar da África para a América, em navios imundos, que de longe se adivinhavam pela inhaca, a população inteira de negros(...)”(p.265). Negros esses que influenciaram diretamente, assim como os índios, em nossa formação cultural como já citado.

Outro ponto foi a luta dos cristãos contra os infiéis (bugres e hereges) que causou segundo o autor a união de forças antagônicas, como o jesuíta e o senhor de engenhos, paulistas e baianos. Permitindo assim uma aproximação na esfera política da colônia de pólos opostos, uma unificação política e social que não seria possível sem o combate à heresia. Forma-se assim uma hegemonia política.

É observada ainda a miscigenação do povo português. Com influencias vindas da África, depois com influencias mouras e árabes. Portugal se constituiu por uma mesclagem destes povos. No lado econômico não foi diferente, os vários casamentos permitiram uma regular distribuição de renda. Um povo que de suas origens sofre a miscigenação, passa a conquistar outras terras, em especial o Brasil, com a mesma ferramenta.

A coroa na conquista destas terras deixou tudo de inicio nas mãos de particulares para se isentar de gastos. Mas não foi só financeiramente que a coroa se afastou da colônia, todas as questões judiciais e de defesa do território ficaram por conta dos grandes senhores de engenho. Com todo esse poder os senhores se tornaram verdadeiros reis. Reis estes que formaram, como foi dito, a origem da sociedade brasileira. Somente depois a coroa foi perceber a rentabilidade que a colônia poderia oferecer, em especial com o engenho de açúcar.

Portugal se viu na necessidade de mão-de-obra para povoar as colônias. A igreja incentivou vários tipos de casamentos e como o autor relata a ajuda de santos não foram poucas. Um grande resquício que permanece forte em nossa cultura em nossa cultura: a fé nos santos. Um Brasil formado pela mistura cultural entre portugueses, índios e negros.

Já as trocas culturais com os índios foram muito valorativas para a permanência na terra. Questões como a já mencionada higiene, tanto pessoal quanto a referente à habitação foi de grande auxilio para evitar doenças. E quando estas existiam os curandeiros indígenas eram de grande ajuda, e até os jesuítas que impunha o catolicismo e declarava guerra contra esses métodos utilizavam de seus conhecimentos.

Nos últimos dois últimos capítulos, O escravo negro na vida sexual do brasileiro, o autor nos mostra com grande clareza a participação dos negros na nossa formação, suas influencias e vários fatos que nos fazem compreender a sua vida.

Um parágrafo formidável pode representar um pouco do capitulo. Desde moleque o filho do senhor convive com os negros, e essa convivência, assim como em nosso sangue (mestiçagem), demonstra nossas raízes:

“Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciavam nossos sentidos, na musica, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influencia negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras historias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo.”

Um ponto colocado se refere a observar a tese do caráter eugênico, no qual o senhor escolhia as melhores escravas para se relacionar, as mais sadias e as mais bonitas. Não diferente ocorreu com os padres, formando eventualmente uma elite mulata, saudável.

O autor também trata de outras questões gerais como a seriedade dos meninos nas colônias, sempre sérios e com pouca infância, a rigorosa educação dos padres jesuítas para com as crianças influenciando diretamente na formação cultural do país, os trajes europeus que não se adaptaram ao clima nacional.

Até aqui vimos o menino, filho do senhor, quanto a sua iniciação sexual com as negras, sua infância com meninos negros, mas não nos referimos ainda quanto à educação das meninas. Estas eram criadas em ambientes patriarcais sobre grande tirania dos pais, esta que depois era substituída pela tirania dos maridos. Eram poucas as liberdades que tinham, “a esta negou-se tudo que de leve parecesse independência. Até levantar a voz na presença dos mais velhos.” (p. 501) Resquícios que se propagou em uma sociedade machista como a de hoje.

A culinária, a formação na infância, a passagem para a vida adulta, os adultérios, a mão-de-obra, tudo isso fizeram do negro uma grande importância como já observada na formação de nossa cultura. Com os índios aprendemos sobre os intempéries da terra, a higiene, noções de cura, e também foi grande importância no auxilio para a defesa do território e na formação do povo brasileiro junto com os negros.

Com grande criatividade o autor nos possibilitou viajar pelo o Brasil colonial e perceber as dificuldades da conquista deste território e nele o poder que era vigente, o patriarcal. Uma visão panorâmica partida da casa-grade e da senzala.

Gilberto Freyre analisa assim este período colonial e as relações de poder pelo ponto de vista patriarcal, as diversas organizações familiares existentes. Outros autores como o já citado Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro buscam compreender este período pelo ponto de vista do “Estado”, a relação entre a colônia e Portugal, ou seja, outras relações de poder.

Casa-grade e senzala nos permite compreender assim nossa formação cultural, nossas grandes influencias de negros, índios e portugueses. Resquícios que podemos compreender com essa leitura. Alem é claro da avaliação política daquela época, e a nossa formação devido a ela.

Hoje reconhecemos as grandes casas-grandes (elite) e as inúmeras senzalas (favelas) espalhadas pelo nosso país. Condições de trabalhos que são ou se aproximam de serem escravos.

A educação também como a vista Freyre, que transforma a vida do menino em senhor, também em nossa época ela existe, traz grandes oportunidades ao individuo. Mas alem da educação, a acessão social depende de outros fatores como ser ou conhecer pessoas da “casa-grande”. Assim essa obra nos permite pensar a sociedade atual, tanto no auxilio de sua compreensão como na reprodução da estrutura de um sistema existente.

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